I – A Imitação de Cristo
2. A imitação de
Cristo está expressa nas palavras: “Segue-me”. Sim, isso ele o diz a Pedro, mas
também a todo cristão: “segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo
apego como livre o sou”. Por isso é que Jeremias afirma: “Chamar-me-ás de Pai e
não te cansarás de andar atrás de mim” (3,19). Segue-me, portanto, e joga fora
o peso que levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim que
corro. “Corri, diz o salmista, tendo sede” (Sal 61,5); sede, entende-se, de
salvar a humanidade. E para onde ele corre? Na direcção da cruz. Por isso,
corre também tu atrás de Cristo para que assim como ele tomou sua cruz por ti,
tu também tomes a tua cruz por ti. Lê-se no evangelho de Lucas: “Se alguém quer
vir após mim, renegue a si mesmo” (9,23), quer dizer, sacrifique a própria
vontade, tome sua cruz mortificando a carne, todos os dias, isto é,
continuamente, e assim siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a
mim e encontrar-me, segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos
discípulos: “Vinde à parte a um lugar deserto e descansai um pouco. Com efeito,
tão grande era a multidão que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo o tempo
para comer” (Mc 6,31). Que coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de
pensamentos vão e vêm pelo nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos
alimentar com o alimento da eterna doçura, nem de sentir o sabor da
contemplação interior. Eis porque o bondoso Mestre diz ainda: “Vinde à parte,
para longe da multidão, vinde a um lugar apartado, isto é, à solidão interior,
da mente e do corpo, e descansai um pouco.
Sim, “um pouco”,
porque como diz o Apocalipse: “Fez-se silêncio no céu por mais ou menos uma
meia hora” (8,1) e o Salmo 54,7: “Quem me dará asas de pomba para voar e
encontrar repouso?”. E o profeta Oseias também diz: “Eis que eu a amamentarei e
conduzi-la-ei ao deserto e lhe falarei ao coração” (2,16). Nestas três
expressões (amamentarei-conduzirei-falarei ao coração) podem-se notar também
três situações: aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo
e aquela de quem já está na perfeição. É a graça que amamenta quem está no
começo e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; e por isso
o conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à
quietude interior da mente. Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e
ele sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à
alegria do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como
são grandes também a contemplação e o êxtase! Através da grandeza da devoção, a
pessoa eleva-se acima de si mesma.
Através da
sublime contemplação ela se sente como que transportada ainda acima de si mesma
e, através do êxtase, ela é levada como para fora de si mesma. Por isso:
“segue-me”. O Senhor fala como uma mãe carinhosa que quando está ensinando seu nené
a caminhar, mostra-lhe o pão ou uma maçã e lhe diz: “Vem, vem, eu vou-te dar!”
E quando a criança está pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho, vai se
afastando e dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: “Vem, vem, pega!” Existem
também pássaros que tiram do ninho seus filhotes e, voando, os ensinam a voar e
a segui-los. Assim faz Cristo: ele mesmo se coloca como exemplo para que o
sigamos e promete o prémio no Reino dos Céus.
3. Segue-me,
portanto, porque eu conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No Livro dos
Provérbios encontra-se escrito a este propósito: “Mostrar-te-ei o caminho da
sabedoria. Conduzir-te-ei pelos caminhos da rectidão. Quando neles entrares,
teus passos não serão trôpegos e, se correres, não haverás de tropeçar”
(4,11-12). O caminho da sabedoria é o caminho da humildade. Bem diferente é o
caminho da estultícia, porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo no-lo mostrou
quando disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e
encontrareis descanso para vossas almas” (Mt 11,29). O caminho é estreito, dá
apenas para dois pés, de tal modo que nenhum outro possa passar. Diz-se em
latim 'semita’, isto é, “meia estrada”,'semis iter’, pois “semis” quer dizer
metade e 'iter’ quer dizer caminho. Caminhos da rectidão são os da pobreza e da
obediência. Por eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre e
obediente. Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem recto!
Mas o que causa maravilha é o facto que, mesmo sendo assim tão estreitos, os
passos dados neles não são indecisos, sem jeito. O caminho do mundo, ao
contrário, é largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivem
segundo o mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados
que acham sempre estreito qualquer caminho, mesmo o largo. Com efeito, a
maldade tem uma estreiteza conatural. A pobreza e a obediência, ao contrário,
contêm, é claro, uma restrição, mas por isso mesmo doam também liberdade,
porque a pobreza torna rico e a obediência livre. Quem
percorrer esses caminhos seguindo a Jesus, jamais encontrará o tropeço das
riquezas ou o tropeço da própria vontade. Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei
“aquilo que olho não viu, ouvido não ouviu nem penetrou em coração de homem”
(1Cor 2,9). “Segue-me e dar-te-ei, diz Isaías, tesouros escondidos e riquezas
ocultas” (45,3). E o mesmo: “À vista disso ficarás radiante de alegria e teu
coração estremecerá e se dilatará” (60,5). Haverás de ver a Deus face a face,
assim como ele é e te encherás de delícias e riquezas na dupla estola da alma e
do corpo. Teu coração admirará as ordens dos anjos e a moradia dos
bem-aventurados e, por causa da imensa felicidade, se dilatará na exultação e
no louvor. Portanto: segue-me! (Santo António de Lisboa: Sermões: “Na solidão
encontrarás o Senhor”, I; 1-2).
Imagem: Santo António de Lisboa com o Menino Jesus.
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