terça-feira, 8 de junho de 2021

APÓSTOLOS DOS ÚLTIMOS TEMPOS

Tinha nas mãos um grande livro


Estando uma vez em oração com muito recolhimento, suavidade e quietude, parecia-me estar rodeada de anjos e muito perto de Deus. Comecei a suplicar a Sua Majestade pela Igreja. Deu-se-me a entender o grande proveito que, nos últimos tempos, há-de fazer uma Ordem e a fortaleza com que seus filhos hão-de sustentar a Fé.

Estando uma vez rezando perto do Santíssimo Sacramento, apareceu-me um Santo cuja Ordem tem estado um tanto decaída: Tinha nas mãos um grande livro, abriu-o e disse-me que lesse umas letras, que eram grandes e muito legíveis e diziam assim: Nos tempos vindouros florescerá esta Ordem; haverá muitos mártires.

Outra vez, estando no Coro em Matinas, representaram-se-me e se puseram diante dos olhos seis ou sete religiosos que me parece seriam desta mesma Ordem; com espadas na mão. Penso que nisto se dá a entender que hão-de defender a Fé; porque, de outra vez, estando em oração, se me arrebatou o espírito e pareceu-me estar num grande campo onde muitos combatiam, e estes, os desta Ordem, pelejavam com grande fervor. Tinham os rostos formosos e abrasados e deitavam muitos por terra, vencidos, e a outros matavam. Parecia-me que esta batalha era contra os hereges.

A este glorioso Santo tenho visto algumas vezes, e tem-me dito algumas coisas, e agradecido a oração que faço pela sua Ordem e prometido de me encomendar ao Senhor. Não declaro as Ordens, para que não se agravem outras; se o Senhor for servido que se saiba, Ele o declarará. Mas cada Ordem, ou cada membro de per si, havia de procurar que, por seu meio fizesse o Senhor tão ditosa a sua Ordem que, em tão grande necessidade, como agora tem a Igreja, a servissem. Ditosas vidas que nisto se acabarem! (Santa Teresa de Avila: Livro da Vida; cap. 40:12-15)

Na imagem:
Santa Teresa de Avila, Doutora da Igreja.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

A ORAÇÃO DE JESUS

«Passou a noite a orar a Deus»


O Senhor reza, não com o fim de implorar favores para Si, mas com o fim de os obter para mim. Ainda que o Pai tenha posto todas as coisas à disposição do Filho, no entanto o Filho, para realizar plenamente a Sua condição de homem, visto que é o nosso advogado, acha por bem implorar o favor do Pai para nós. Não façais ouvidos insidiosos, figurando-vos que é por fraqueza que Cristo pede, para obter o que não pode realizar, Ele que é o autor de todo o poder. Como Mestre na obediência, Cristo forma-nos pelo Seu exemplo aos preceitos da virtude: «Temos junto do Pai um advogado, diz Ele» (1 Jo 2, 1). Se é advogado, deve intervir pelos meus pecados. Por conseguinte, não é por fraqueza mas sim por bondade, que Cristo implora. Quereis saber até que ponto Ele pode fazer tudo o que quer? Ele é ao mesmo tempo advogado e juiz: num reside um ofício de compaixão, no outro a insígnia do poder. «Passou a noite a orar a Deus». Cristo dá-vos um exemplo, traça-vos um modelo para imitardes.

O que é necessário fazer pela vossa salvação quando, por vós, Cristo passa a noite em oração? Que vos cabe fazer quando quereis empreender uma obra de piedade, se Cristo, no momento de enviar os Seus Apóstolos, orou e orou sozinho? Em parte nenhuma, se não estou em erro, encontramos que Ele tenha rezado com os Apóstolos. Por toda a parte, Cristo implora sozinho. É que o grande desígnio de Deus não pode ser tomado por desejos humanos, e ninguém pode entrar no pensamento íntimo de Cristo. Aliás, quereis saber como é bom para mim e não para Cristo, que Ele tenha orado? «Chamou os Seus discípulos e escolheu doze de entre eles» para os enviar, como semeadores da fé, a propagar por todo o mundo o auxílio e a salvação dos homens. (Santo Ambrósio de Milão: Comentário sobre S. Lucas 6).

Na imagem:
Santo Ambrósio de Milão, Padre e Doutor da Igreja

CRISTÃO NÃO SÓ DE NOME

“Aquele que me ama, ama o próximo”


Certo dia Santa Catarina de Sena disse ao Senhor: “Meu Deus, quereis que eu ame ao meu próximo; mas eu não posso amar senão a Vós.” Respondeu-lhe o nosso Salvador: “Minha filha, aquele que me ama, ama todas as coisas que eu amo.” — Com efeito, quem ama alguma pessoa, ama também os parentes, os servos, as imagens e até as vestes da pessoa amada, pela razão que esta ama tais coisas. E porque é que nós devemos amar ao próximo? Porque aqueles a quem amamos são objecto da benevolência de Deus.

Por isso escreve São João que é mentiroso o que diz que ama a Deus e odeia a seu irmão (1 Jo. 4, 20). Ao contrário, diz Jesus Cristo que aceitará como feita a si próprio a caridade de que usarmos para com o mais pequenino de seus irmãos, que tais são os nossos próximos (Mt. 25, 40). — Examina-te aqui, se tens até agora tido na devida estima o preceito tão importante da caridade, e toma a resolução de seres mais exacto para o futuro. Lembra-te que da observância deste preceito depende o seres cristão não só de nome, mas também de facto: — “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo. 13, 35). (Santo Afonso de Ligório: Meditações).

Na imagem:
Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja.

domingo, 6 de junho de 2021

OS ANJOS DO SENHOR

«Bendizei ao Senhor, todos os Seus anjos, sempre dóceis à Sua palavra» (Sl 103,20)


Muitas páginas da Sagrada Escritura atestam que os anjos existem... Mas é preciso saber que a palavra «anjo» designa a sua função: ser mensageiro. E chamam-se «arcanjos» os que anunciam os acontecimentos mais importantes. É assim que o arcanjo Gabriel é enviado à Virgem Maria; para esta função, para anunciar o maior de todos os acontecimentos, impunha-se enviar um anjo da mais elevada categoria...

Semelhantemente, quando se trata de estender um poder extraordinário, é Miguel que é o enviado. Com efeito, a sua acção como o seu nome, querem dizer: «Quem é como Deus?», fazem compreender aos homens que ninguém pode fazer o que pertence apenas a Deus realizar. O antigo inimigo, que desejou por orgulho fazer-se semelhante a Deus, dizia: «Subirei aos céus, estabelecerei o meu trono acima das estrelas de Deus, serei semelhante ao Altíssimo» (Is. 14,13). Mas o Apocalipse diz-nos que no fim dos tempos, assim que ele for abandonado à sua própria força, antes de ser eliminado pelo suplício final, deverá combater contra o arcanjo Miguel: «Travou-se uma batalha no céu: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o Dragão. E o Dragão também combatia juntamente com os seus anjos. Mas não prevaleceram; o Dragão e os seus anjos foram precipitados na terra» (Ap 12, 7-9).

À Virgem Maria, foi pois Gabriel, cujo nome significa «Força de Deus», que foi enviado; não vinha ele anunciar aquele que quisera manifestar-se num condição humilde, para triunfar do orgulho do demónio?  Era pois pela «Força de Deus» que devia ser anunciado aquele que vinha como «o Senhor forte e poderoso, o Senhor herói nas batalhas» (Sl 24,8). Quanto ao arcanjo Rafael, o seu nome significa «Deus cura». Com efeito, foi ele que libertou da escuridão os olhos de Tobias, tocando-os como um médico vindo do alto (Tb 12,14). Aquele que foi enviado para tratar o justo na sua enfermidade bem pode ser apelidado de «Deus cura». (S. Gregório Magno: Catequeses sobre o Evangelho, 34, 8-9).

Na imagem:
S. Gregório Magno, Papa e Doutor da Igreja.

JESUS SUBIU Á MONTANHA

Devemos ser pacíficos para ser chamados filhos de Deus

Quando nosso Senhor e Salvador percorria muitas cidades e regiões pregando e curando toda doença e enfermidade do povo, conforme a presente narração (do Evangelho), vendo as multidões junto dele, Jesus subiu à montanha (Mt 5, 1). Convém que o Deus altíssimo suba a um lugar mais alto, para dirigir palavras mais elevadas aos homens desejosos de atingir virtudes mais altas. E é bom que a Lei nova seja proclamada sobre a montanha, pois a Lei fora também dada a Moisés sobre uma montanha. A antiga contém dez mandamentos que ensinam a conduta na vida presente; a outra, oito Bem-aventuranças, que conduzem seus seguidores à vida eterna e à pátria celeste.

Bem-aventurados os mansos, porque receberão a terra em herança (Mt 5, 5). Os mansos devem, pois, ter um carácter cordato e um coração sincero; e o Senhor mostra, de modo evidente, que seu mérito não é pequeno, ao dizer: Porque receberão a terra em herança, esta terra acerca da qual está escrito: Tenho certeza que vou contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos (Sl 26 [27]. A herança daquela terra é a imortalidade do corpo e a glória da ressurreição. Pois a mansidão ignora o orgulho, ignora a soberba, ignora a ambição. Não é sem motivo que o Senhor, em outro lugar, exorta seus discípulos nestes termos: Sede meus discípulos, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós (Mt 11, 29).

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados (Mt 5, 4). Não os que choram a perda de seus entes queridos, mas os que deploram seus próprios pecados, que lavam com lágrimas suas faltas; ou ainda, os que lastimam as injustiças deste mundo, ou lamentam os pecados alheios.

Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (Mt 5, 9). Vê quão grande é o mérito dos promotores da paz: de agora em diante não são mais chamados servos, mas filhos de Deus. E é justo que assim seja, pois quem ama a paz, ama Cristo, autor da paz, a quem o Apóstolo Paulo chama de paz, dizendo: Ele é a nossa paz (Ef 2, 14). Ao contrário, quem não ama a paz segue a discórdia, porque ama o demónio, autor da discórdia. Foi ele que, desde o começo, instaurou a discórdia entre Deus e o homem, tornando o homem um transgressor dos mandamentos de Deus. Mas o Filho de Deus desceu do céu precisamente para condenar o demónio, autor da discórdia, e promover a paz entre Deus e o homem, reconciliando o homem com Deus e levando Deus a devolver ao homem a sua graça.

Eis porque devemos ser promotores da paz: para merecermos também ser chamados filhos de Deus. Porque sem a paz, não só perdemos nosso nome de filhos, mas até o de servos, no dizer do Apóstolo: Amai a paz, sem a qual nenhum de nós pode agradar a Deus (cf. Hb 12, 14). (São Cromácio de Aquiléia: Sermão 39).

Na imgem:
S. Cromácio de Aquileia.

ESTA VOZ, NÓS A OUVIMOS

Cristo escolheu os apóstolos entre os pecadores


O bem-aventurado apóstolo Pedro, quando estava no monte com o Senhor e outros dois discípulos de Cristo, Tiago e João, ouviu uma voz vinda do céu: Este é o meu filho amado, nele está meu pleno agrado: escutai-o! (Mt 17, 5). O apóstolo lembra-se disto em sua Carta e dá seu testemunho, dizendo: Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele na montanha santa. E depois acrescenta: Assim tornou-se ainda mais firme para nós a palavra da profecia (2Pd 1, 18-19).

Esse Pedro, que assim fala, era um pescador, mas agora merece grandes louvores como pregador, se é que ainda se pode nele reconhecer aquele que pescava. Por isso, o Apóstolo Paulo diz aos primeiros cristãos: De fato, irmãos, reparai em vós mesmos, os chamados: não há entre vós muitos sábios de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem muitos de família nobre. Mas o que para o mundo é loucura, Deus o escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus o escolheu para envergonhar o que é forte. Deus escolheu o que no mundo não tem nome nem prestígio, aquilo que é nada, para assim mostrar a nulidade dos que são alguma coisa (1Cor 1, 26-28).

Se, pois, Cristo tivesse escolhido primeiro um orador, diria este: “Fui escolhido por causa da minha eloquência”. Se tivesse escolhido um senador, diria este: “Fui escolhido por causa da minha dignidade”. Por fim, se tivesse escolhido um imperador, este diria: “Fui escolhido por causa do meu poder”. Calem-se esses, esperem e acalmem-se um pouco: não serão abandonados nem desprezados; mas sejam postos um pouco à parte os que podem gloriar-se de si mesmos.

Dá-me, disse ele, aquele pescador, dá-me aquele ignorante, dá-me aquele incapaz; dá-me aquele com quem o senador não se digna falar, mesmo quando compra um peixe: dá-me esse. Quando eu o tiver transformado, ficará claro que fui eu que agi. Também agirei no senador, no orador e no imperador; mas se trabalhei no senador, trabalharei com mais segurança no pescador. O senador poderá gloriar-se de si mesmo, como também o orador e o imperador; mas o pescador só pode gloriar-se de Cristo. Para ensinar a humildade que salva, venha primeiro o pescador; por meio dele o imperador será mais facilmente convencido.

Lembrai-vos, portanto, do pescador santo, justo, bom e repleto de Cristo, cuja missão de lançar a rede no mundo, abrangeu este povo entre os demais. Recordai-vos do que ele disse: Assim tornou-se ainda mais firme para nós a palavra da profecia (2Pd 1, 19). (Santo Agostinho de Hipona: Sermão 43, 5-7)

sábado, 5 de junho de 2021

AQUELES QUE CRÊEM

Pela graça divina, seguem os passos de Cristo


A marca distintiva das ovelhas de Cristo é sua disposição para a escuta e sua docilidade para a obediência, enquanto as outras se caracterizam pela desobediência.

O verbo escutar, nós o compreendemos no sentido de aquiescer ao que é dito. Na verdade, aqueles que escutam a Deus são por ele conhecidos, pois, ser conhecido significa estar unido. Não há ninguém que seja inteiramente ignorado por Deus. Com efeito, quando afirma: Conheço minhas ovelhas (Jo 10, 14), Cristo quer dizer: “Eu as acolherei e as unirei a mim misticamente e por uma união de amor”.

Podemos afirmar que, ao fazer-se homem, ele se uniu à humanidade toda por uma união de natureza e de consanguinidade. Assim procedeu, para que todos nos unamos e nos assemelhemos a Cristo por uma relação mística, em virtude de sua encarnação. Aqueles, porém, que não guardam a semelhança de sua santidade, lhe são estranhos.

Disse ainda: Minhas ovelhas me seguem (Jo 10, 27). De facto, aqueles que crêem, pela graça divina, seguem os passos de Cristo. Não obedecem mais aos preceitos da lei, que eram figuras, mas, seguindo pela graça divina os preceitos e a palavra de Cristo, elevam-se até sua dignidade, sendo, por conseguinte, chamados filhos de Deus (1Jo 3, 1). Quando Cristo sobe ao céu, eles também o acompanham.

O Senhor promete aos que o seguem, dar-lhes a recompensa e o prémio da vida eterna. Promete ainda preservá-los da morte e da corrupção, bem como dos castigos reclamados pelo juiz, contra os que cometeram transgressões. Cristo, pelo fato de dar sua vida, mostra que, por natureza, é a vida em pessoa; e que essa vida, ela a dá de si mesmo, sem recebê-la de outro.

Por vida eterna (Jo 10, 28), compreendemos não essa interminável sucessão dos dias que todos, bons ou maus, possuirão depois da ressurreição, mas a vida que passaremos na alegria. Podemos também compreender a vida no sentido de eucaristia. Por ela, Cristo enxerta em nós sua própria vida, fazendo com que os fiéis participem de sua carne. Pois ele disse: Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna (Jo 6, 54). (São Cirilo de Alexandria, bispo: Comentário sobre o Evangelho de São João).

Na imagem:
São Cirilo de Alexandria

O VOTO DE POBREZA

Não demorei em compreender o que era…


Desde minha tomada de hábito, eu recebera luz abundante a respeito da perfeição religiosa, principalmente do voto de pobreza. Durante meu postulado, gostava de possuir coisas boas para meu uso e de encontrar à mão tudo o que me era necessário. “Meu Director” tolerava isso com paciência, pois Ele não gosta de revelar tudo ao mesmo tempo às almas. Geralmente, dá sua luz pouco a pouco. No início da minha vida espiritual, pelos 13 ou 14 anos, perguntava a mim mesma o que eu aprenderia mais tarde, pois parecia-me impossível entender melhor a perfeição. Não demorei em compreender que mais se avança nesse caminho, mais se acredita estar afastado da meta; agora, resigno-me em ser sempre imperfeita e fico contente... . Volto às lições que “meu Director” me deu. Uma noite, depois das Completas, procurei em vão nossa lampadazinha sobre as tábuas reservadas para esse uso, era silêncio total, impossível perguntar... entendi que uma irmã, acreditando ter pegado sua lâmpada, pegou a nossa, da qual eu estava muito necessitada; em vez de desgostar-me, fiquei feliz, sentindo que a pobreza consiste em se ver privado não só das coisas agradáveis, mas ainda das indispensáveis. Portanto, no meio das trevas exteriores, fui iluminada interiormente... Naquela época, empolguei-me pelos mais feios e mais desajeitados objectos e foi com alegria que vi terem tirado a moringa bonitinha da nossa cela, substituindo-a por uma grande toda desbicada... Fazia também muitos esforços para não me desculpar, sobretudo com a nossa Mestra, a quem não queria ocultar coisa alguma; eis minha primeira vitória. Não é grande, mas custou-me muito. (Santa Teresinha do Minino Jesus: História de uma alma.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

ESTE É O DIA QUE O SENHOR FEZ

Aproximando sua mão, ele pôde completar sua fé

Acaso não era Tomé um homem? Um dos discípulos, um homem do povo, por assim dizer? Seus irmãos lhe contavam: Vimos o Senhor! (Jo 20, 25). E ele respondia: Se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei (Jo 20, 25).

Os evangelistas anunciam e não acreditas neles? O mundo acreditou e o discípulo não acredita. Foi dito a respeito deles: O som de suas vozes se espalha em toda a terra, e suas palavras chegam até os confins do mundo (Sl 18 [19], 5). Suas palavras se espalharam, chegaram até os confins da terra, o mundo acreditou; todos anunciam a um só e esse não crê.

Não era ainda o dia que o Senhor fez. As trevas ainda estavam sobre o abismo; nas profundezas do coração humano havia escuridão. Venha, pois, aquele que é a aurora desse dia e diga pacientemente, com doçura, sem encolerizar-se, pois é médico: “Vem, toca e acredita! Disseste: se não tocar, se não puser o meu dedo, não acreditarei!” Vem, toca, põe o teu dedo. Não sejas incrédulo, mas crê! (Jo 20, 27). Vem, põe o teu dedo. Eu conhecia tuas feridas, conservei, para ti, minhas cicatrizes”.

Então, aproximando a mão, ele tornou plena sua fé. Qual é, pois, a plenitude da fé? Que não se acredite ser Cristo apenas homem, nem unicamente Deus, mas homem e Deus. Essa é a plenitude da fé, pois, o Verbo se fez carne e veio morar no meio de nós (Jo 1, 14). Assim, o discípulo a quem foi dado tocar as cicatrizes e os membros de seu Salvador, tendo-os tocado, exclamou: Meu Senhor e meu Deus! (Jo 20, 28). Tocou o homem, conheceu a Deus; tocou a carne e contemplou o Verbo, porque o Verbo se fez carne e veio morar no meio de nós.

O Verbo suportou que sua carne fosse suspensa na cruz, o Verbo suportou que os cravos perfurassem sua carne, o Verbo suportou que sua carne fosse traspassada pela lança, o Verbo suportou que sua carne fosse depositada no sepulcro. O Verbo ressuscitou sua carne, apresentou-a ante os olhos dos discípulos, permitiu que fosse tocada por suas mãos. Eles tocam e exclamam: Meu Senhor e meu Deus! Este é o dia que o Senhor fez (Sl 117 [118], 24). (Santo Agostinho de Hipona: Sermões: 258, 3).

MEU CORAÇÃO GRITA E GEME DE DOR

Aprende a carregar Cristo

Não foi por prazer que o Senhor do mundo, em sua condição humana, apareceu publicamente montando em uma jumenta. O que ele desejava, por um misterioso segredo (ou mistério latente), era penetrar no âmago dos corações, selar o íntimo de nossa alma e, como místico cavaleiro, aí tomar assento, corporalmente. Assim, por sua divindade, poderia dirigir os passos da alma, refreando os impulsos da carne e, habituando os pagãos àquela amorosa direcção, disciplinar-lhes os sentimentos. Felizes os que, sobre o dorso da alma, acolheram tal cavaleiro! Realmente felizes os que, tendo os lábios contidos pelas rédeas do Verbo celeste, não se dissiparam na loquacidade.

E que rédea será essa, irmãos? Quem me ensinará como se pode reprimir ou soltar os lábios dos homens? Mostrou-me tal rédea aquele que disse: Que a palavra seja colocada em minha boca, de maneira que eu possa falar abertamente (cf. Ef 6, 19). A palavra é, pois, uma rédea, mas também um aguilhão. É difícil teimares contra o aguilhão! (At 26, 14). Foi o Senhor quem nos ensinou a abrir o coração, a suportar o aguilhão, a carregar o jugo. Que um outro nos ensine a suportar o freio da língua; pois mais rara é a virtude do silêncio que a da palavra. Sim, o que nos ensinou aquele que, como mudo, não abriu a boca contra a impostura e, pronto para as chicotadas, não recusou os golpes, a fim de tornar-se um suave assento para o Senhor?

Aprende, de um familiar de Deus, a carregar Cristo, pois ele, outrora, te carregou quando, como pastor, reconduzia a ovelha desgarrada; aprende a oferecer, de bom grado, o dorso de tua alma, aprende a ficar sob Cristo, para que possas ficar sobre o mundo. Não é qualquer um que transporta facilmente Cristo, mas quem é capaz de dizer: Meu coração grita e geme de dor, esmagado e humilhado demais (Sl 37 [38], 9).

Com efeito, se desejas não ser abalado, coloca teus passos pacificados sobre as vestes dos santos; na verdade, cuida para não caminhares com os pés enlameados; acautela-te para não te embrenhares pelos desvios, abandonando o caminho dos profetas. Pois, a fim de proporcionar um percurso mais seguro para as nações que haveriam de chegar, os que precederam Jesus cobriram, com as próprias vestes, o caminho até o templo de Deus. Para que avances sem tropeço, os discípulos do Senhor despojaram-se, pelo martírio, de suas vestes, para aplainar-te um caminho através da multidão hostil. (Santo Ambrósio de Milão: Comentário sobre o Evangelho de São Lucas: Livro 9, 9-11).

DEUS IMPASSÍVEL E IMORTAL

Era necessário que Cristo sofresse

Era necessário que Cristo sofresse, para assim entrar na Sua glória, tendo demonstrado, por palavras e obras, que era verdadeiro Deus e Senhor do universo, ao dirigir-Se para Jerusalém dizia aos seus discípulos: Subimos para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos gentios, aos pontífices e aos escribas, para ser escarnecido, flagelado e crucificado. Fazia, na verdade, essas afirmações em perfeita consonância com os vaticínios dos Profetas, que tinham anunciado, de antemão, a morte que Ele havia de sofrer em Jerusalém.

Ora, tendo a Sagrada Escritura profetizado, desde o princípio, a morte de Cristo com os sofrimentos que haviam de a preceder, predisse também o que sucedeu ao seu corpo depois da morte; e preanunciou que Aquele a quem isto aconteceu é Deus impassível e imortal. De outro modo, nunca Ele seria Deus, se nós, com os olhos postos na verdade da Encarnação, dela não pudéssemos deduzir, com inteira justiça, as razões de podermos confessar uma e outra coisa, ou seja, o seu sofrimento e impassibilidade e, ao mesmo tempo, a causa pela qual, sendo o Verbo de Deus, e, portanto, impassível, sujeitou-se à morte. É que doutra maneira o homem não podia ser salvo. Só Ele o sabia e aquele a quem o quis revelar: conhece, com efeito, tudo o que é do Pai, tal como o Espírito perscruta as profundezas dos mistérios divinos.

Era necessário, na verdade, que Cristo sofresse. A paixão não podia, de modo nenhum, evitar-se. Ele mesmo o afirmou ao chamar insensatos e lentos de coração os que ignoravam ser necessário que Cristo assim sofresse para entrar na sua glória. Com efeito, desceu à terra para salvação do seu povo, deixando aquela glória que tinha junto do Pai, antes da criação do mundo. Mas a salvação devia consumar-se por meio da morte do Autor da nossa vida, como ensina São Paulo: Ele é o Autor da vida, elevado à glória perfeita por meio dos sofrimentos.

Assim, vê-se como a glória do Unigénito, que por nossa causa tinha deixado por breve tempo, foi-lhe restituída, por meio da cruz, na carne que tinha assumido. É o que afirma São João no seu Evangelho ao indicar qual era aquela água de que falava o Salvador: “Se alguém acredita em Mim, do seu interior brotarão rios de água viva”. Referia-se ao Espírito Santo que haviam de receber todos os que acreditassem n’Ele. Ainda não tinha vindo o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado; e chama glória à morte na cruz. Por isso, quando o Senhor orava, antes de ser crucificado, pediu ao Pai que O glorificam com aquela glória que tinha junto d’Ele, antes da criação do mundo. (Dos Sermões de Santo Anastácio de Antioquia: Sermão 4, 1-2: PG 89, 1347-1349)

quinta-feira, 3 de junho de 2021

ELOGIO AOS SANTOS MÁRTIRES

 A todos eles vai nosso louvor, nosso elogio, nossa admiração!


A todos eles vai, ó venerável Ambrósio, nosso louvor, nosso elogio, nossa admiração! Quem seria tão estulto que, não podendo igualá-los, não deseje ao menos imitar estes homens, a quem nenhuma violência conseguiu desviá-los da fé dos Padres? Ameaças, lisonjas, esperança de vida, temor à morte, guardas, corte, imperador, autoridades, não serviram de nada: homens e demónios foram impotentes ante eles. Seu tenaz apegamento à Fé antiga os fez dignos, aos olhos do Senhor, de uma grande recompensa. Por meio deles, Ele quis levantar as Igrejas prostradas, voltar a infundir nova vida às comunidades cristãs esgotadas, restituir aos sacerdotes as coroas caídas. Com as lágrimas dos bispos que permaneceram fiéis, Deus tem limpado, como com uma fonte celestial, não as fórmulas materiais, mas a mancha moral da impiedade nova. Por meio deles, enfim, tem reconduzido ao mundo inteiro– todavia sacudido pela violenta e repentina tempestade da heresia – da nova perfídia à Fé antiga, da recente insana à primitiva saúde, da cegueira nova à luz de antes. Mas o que devemos destacar principalmente neste valor quase divino dos confessores é que defenderam a fé antiga da Igreja e não a crença de parte alguma dela. Nunca teria sido possível que tão grandes homens se desdobrassem em um esforço sobre-humano para sustentar as conjecturas erróneas e contraditórias de um ou dois indivíduos, ou que se dedicassem a fundo em favor da irreflexiva opinião de uma pequena província. Nos decretos e nas definições de todos os bispos da Santa Igreja, herdeiros da Verdade, é no que têm crido, preferindo se expor à morte a trair a antiga fé universal. Assim mereceram alcançar uma glória tão grande, que foram considerados não só confessores, mas, com todo direito, príncipes dos confessores. (S. Vicente de Lerins: Comonitório)


Na imagem:

S. VICENTE DE LERINS
Monge, Recluso na ilha de Lerins
(† antes de 450)

«ELE NÃO É DEUS DE MORTOS, MAS DE VIVOS»

«Foi para isto que Cristo morreu e voltou à vida»


«Foi para isto que Cristo morreu e voltou à vida: para ser Senhor tanto dos mortos como dos vivos» (Rom 14,9); «Ele não é Deus de mortos, mas de vivos». Dado que o Senhor dos mortos está vivo, os mortos já não estão mortos, mas vivos: a vida reina neles, para que vivam e deixem de temer a morte, do mesmo modo que «Cristo ressuscitado dos mortos já não morre» (Rom 6,9). Ressuscitados e libertados da corrupção, já não verão a morte; participarão da ressurreição de Cristo, tal como Ele teve parte na sua morte. Com efeito, se Ele veio à Terra, que até então era uma prisão eterna, foi para «quebrar as portas de bronze e despedaçar os ferrolhos de ferro» (Is 45,2), para retirar a nossa vida da corrupção atraindo-a a Si, e nos dar a liberdade em substituição da escravidão.

O facto de este plano de salvação ainda não estar realizado — porque os homens continuam a morrer e os seus corpos são desagregados pela morte — não deve ser motivo de incredulidade. Já recebemos as primícias daquilo que nos foi prometido, na pessoa daquele que é o nosso Primogénito. (Santo Anastásio de Antioquia: Homilia 5, sobre a Ressurreição; PG 89, 1358)

Na imagem:
Santo Anastásio de Antioquia.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

PORQUE TE QUEIXAS, IRMÃO?

Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes


Queixa-se de que, ao entrar no coro para a salmodia, ao dirigir-se para celebrar a missa, logo mil pensamentos lhe assaltam a mente e o distraem de Deus. Mas, antes de ir ao coro ou à missa, que fez na sacristia, como se preparou, que meios escolheu e empregou para fixar a atenção?

 

Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes; se celebras a missa, medita no que ofereces; se salmodias no coro, medita a quem e no que falas; se diriges as almas, medita no sangue que as lavou e, assim, tudo o que é vosso se faça na caridade. (S. Carlos Borromeu: Antologia)

Na imagem:
São Carlos Borromeu, Doutor da Igreja.

sábado, 29 de maio de 2021

PROGRESSO NA PERFEIÇÃO

Através da grandeza da devoção


Nestas três expressões (amamentarei-conduzirei-falarei ao coração) podem-se notar também três situações: aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo e aquela de quem já está na perfeição. É a graça que amamenta quem está no começo e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; e por isso o conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à quietude interior da mente. Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à alegria do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como são grandes também a contemplação e o êxtase! Através da grandeza da devoção, a pessoa eleva-se acima de si mesma. (Santo António de Lisboa: Sermões: “Na solidão encontrarás o Senhor”, 1).

AMOR PARA DAR AS ALMAS

 Dai-me o Vosso amor


– Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Custa-me tanto desprender-me de Vós, sair deste amor! Sim, por Vosso amor desprendo-me, mas antes dai-me este amor para dar às almas que eu amo e me são tão queridas; dai-mo para eu dar a todos os meus, dai-mo para eu dar àquela alma que está em perigo e por quem Vos ofereci hoje os meus sofrimentos. Quero que ela se salve e como sinal disso não quero que morra sem todos os sacramentos. Dai-mo para eu dar às almas que tanto me fazem sofrer, para que Vos conheçam melhor e Vos amem cada vez mais. Dai-mo para dar ao mundo inteiro, para que ele seja salvo. (Sentimentos da alma: 19 de Janeiro de 1945).

sexta-feira, 28 de maio de 2021

O SEGREDO DE MARIA

Eis o segredo


Eis aqui, ó alma predestinada, um segredo que o Altíssimo me confiou e que não pude encontrar em nenhum livro, antigo ou novo. Pelo Espírito Santo eu o confio a ti, contanto:

— que o não comuniques senão às pessoas que o mereçam — por suas orações, esmolas, mortificações, pelas perseguições sofridas, pelo seu zelo na salvação das almas e pelo seu desprendimento;

— que te sirvas dele para te tornares santa e celeste, por isso que só será grande este segredo para os que dele se utilizarem. Toma cuidado em não ficares de braços cruzados, sem trabalho; destarte meu segredo te serviria de veneno e seria a tua condenação. (S. Luís Maria Grignion de Montfort; O segredo de Maria, 1).

MATRIMÓNIO ESPIRITUAL

«O noivo está com eles»


«Foi à sombra da árvore de Adão (cf Ct. 8, 5) que te tornaste minha desposada; aí te dei a minha mão, e assim foste reparada no próprio lugar onde tua mãe fora violada».

No elevado estado do matrimónio espiritual [descrito neste poema], o Noivo descobre com grande facilidade e frequência os seus maravilhosos segredos à alma que é sua fiel consorte, porque o amor verdadeiro e íntegro não sabe encobrir nada àquele que ama. Comunica-lhe principalmente os doces mistérios da sua encarnação, e os modos e maneiras da redenção humana, que é uma das mais elevadas obras de Deus e por isso mais saborosa para a alma. É isso que o Noivo declara nesta estrofe, onde se pode ver com que terno amor descobre à alma estes grandes mistérios.

Ele mostra-lhe a maneira admirável como a remiu e a desposou, por mesmos modos como a natureza humana foi estragada e perdida, dizendo-lhe que, assim como foi perdida e estragada por Adão por meio da árvore vedada no Paraíso, assim na árvore da cruz foi remida e reparada; Ele estende-lhe a mão do seu favor e da sua misericórdia por meio da sua Paixão e morte, suspendendo a hostilidade que havia entre o homem e Deus desde o pecado original. (S. João da Cruz: “Cântico espiritual”)

DAR GRAÇAS A DEUS

Ó Senhor, desejo louvar-te e agradecer-te


Ó Senhor, desejo louvar-te e agradecer-te porque, apesar da minha indignidade, mantiveste tua transbordante ternura para comigo. Quero ainda louvar-te porque alguns, ao ler estas páginas, poderão saborear na intimidade de seu ser as mais elevadas experiências. De facto, por meio do alfabeto, alcançam a ciência da filosofia aqueles que querem estudar; similarmente, por meio de sinais que, na verdade, são apenas figuras retratadas, os leitores destas páginas aprenderão a degustar dentro de si mesmos aquele maná escondido que não poderia ser associado a nenhuma mistura de imagens corpóreas, e de cujo sabor somente quem já experimentou sentirá fome. (Santa Gertrudes de Helfta: Escritos espirituais)

A FÉ TORNA O POBRE RICO

Grande coisa é um homem de fé


«Quem achará um homem verdadeiramente fiel?», pergunta a Escritura (Pr. 20,6). Não to digo para te incitar a abrires-me o coração, mas para que mostres a Deus a candura da tua fé, a esse Deus que sonda os rins e os corações, e que conhece os pensamentos dos homens (cf. Sl 7,10; 93,11). Sim, grande coisa é um homem de fé, mais rico do que todos os ricos. Com efeito, o crente possui todas as riquezas do Universo, dado que as despreza e as esmaga aos pés; já os ricos, mesmo que possuam imensas coisas materiais, são espiritualmente pobres: quanto mais juntam, mais consumidos se sentem pelo desejo daquilo que não têm. Pelo contrário, e esse é o cúmulo do paradoxo, o homem de fé é rico na sua pobreza, porque sabe que apenas precisa de se alimentar e se vestir; contentando-se com isso, pode pisar as riquezas aos pés. (São Cirilo de Jerusalém: Catequese baptismal 5)

EUCARISTIA: A MAIS NOBRE DEVOÇÃO

 Se os anjos pudessem sentir inveja


A devoção à Eucaristia é a mais nobre de todas as devoções, porque tem o próprio Deus por objecto; é a mais salutar porque nos dá o próprio autor da graça; é a mais suave, pois suave é o Senhor. Se os anjos pudessem sentir inveja, nos invejariam porque podemos comungar. (Papa São Pio V).

quinta-feira, 27 de maio de 2021

EUCARISTIA: ORIGEM DA SANTIDADE

Quantos e quantos santos poderiam testemunhar!


Amados irmãos e irmãs, a Eucaristia está na origem de toda a forma de santidade, sendo cada um de nós chamado à plenitude de vida no Espírito Santo. Quantos santos tornaram autêntica a própria vida, graças à sua piedade eucarística! De Santo Inácio de Antioquia a Santo Agostinho, de Santo Antão Abade a São Bento, de São Francisco de Assis a São Tomás de Aquino, de Santa Clara de Assis a Santa Catarina de Sena, de São Pascoal Bailão a São Pedro Julião Eymard, de Santo Afonso Maria de Ligório ao Beato Carlos de Foucauld, de São João Maria Vianey a Santa Teresa de Lisieux, de São Pio de Pietrelcina à Beata Teresa de Calcutá, do Beato Pedro Jorge Frassati ao Beato Ivan Mertz, para mencionar apenas alguns de tantos nomes, a santidade sempre encontrou o seu centro no sacramento da Eucaristia”. (Bento XVI: Ensinamentos)

O VALOR DAS BOAS OBRAS

Muitos renunciam ao que tinham empreendido


Vigiai para que a palavra que recebestes ressoe no fundo do vosso coração e aí permaneça. Tende cuidado para que a semente não caia ao longo do caminho, receando que o Espírito mau venha apagar a palavra da vossa memória. Tende cuidado para que o chão pedregoso não receba a semente e não produza uma boa acção desprovida das raízes da perseverança. Com efeito, muitos se alegram ao ouvir a palavra e se dispõem a empreender boas obras. Mas apenas as provações começaram a apertá-los, eles renunciam ao que tinham empreendido. Assim, o solo pedregoso teve falta de água, de tal forma que o germe da semente não chegou a dar o fruto da perseverança.

Mas a terra boa dá fruto pela paciência: entendamos por isso que as nossas boas obras podem ter valor se suportarmos pacientemente os inconvenientes que o nosso próximo nos provoca. Aliás, quanto mais avançamos para a perfeição, mais provas temos de suportar; uma vez que a nossa alma abandonou o amor do mundo presente, cresce a hostilidade desse mundo. É por isso que vemos muitos que penam sob um pesado fardo (Mt 11,28), sendo boas as suas obras. Mas, de acordo com a palavra do Senhor, “eles produzem fruto pela sua perseverança”, suportando humildemente essas provas, de tal forma que, após terem penado, serão convidados a entrar na paz do céu. (S Gregório Magno: Comentários aos Evangelhos)

quarta-feira, 26 de maio de 2021

DEUS MOSTRA A SUA GRANDEZA INFINITA

Tudo concorre para o bem de cada alma


Assim se abaixando, Deus mostra sua grandeza infinita. Assim como o sol ilumina os cedros e cada florzinha, como se somente ela existisse sobre a terra, da mesma forma Deus cuida pessoalmente de cada alma, como se não existisse outra além dela. E assim como na natureza todas as estações estão de tal modo organizadas que no momento certo se abre até a mais humilde margarida, da mesma forma tudo concorre para o bem de cada alma. (Santa Teresinha do Menino Jesus: “Historia de uma alma”; Manuscrito A).

ESCRAVO OBEDIENTE

«Dar a vida pela redenção de todos»


Um Deus que serve, que varre a casa, que realiza trabalhos penosos – qualquer destes pensamentos deveria bastar para nos encher de amor! Quando o Salvador começou a pregar o seu evangelho, tornou-Se «o escravo de todos», Ele que afirmou de Si mesmo que «não veio para ser servido, mas para servir»; foi como se tivesse dito que queria ser escravo de todos os homens. E, no final da sua vida, conforme dizia São Bernardo, «não contente com o facto de ter tomado a condição de servo para Se colocar ao serviço dos homens, quis ainda tomar a aparência de servo indigno, para ser maltratado e suportar o castigo que devia cair sobre nós, em consequência dos nossos pecados».

Eis que o Senhor, escravo obediente, Se submeteu à injusta sentença de Pilatos e Se entregou aos seus algozes. [...] Tanto nos amou Deus que, por amor de nós, quis obedecer como escravo e morrer de morte dolorosa e infame, o suplício da cruz (cf. Fil 2,8).

Ora, em tudo isso Ele obedecia, não como Deus, mas como homem, como escravo, cuja condição assumira. Tal santo entregou-se como escravo para resgatar um pobre e atraiu a admiração do mundo devido a esse ato heróico de caridade. Mas que caridade é essa, comparada com a do Redentor, que, sendo Deus e querendo resgatar-nos da escravidão do diabo e da morte, que nos era devida, Se tornou Ele mesmo escravo e Se deixou pregar na cruz? «Para que o escravo se torne senhor», dizia Santo Agostinho, «Deus quis fazer-Se escravo». (Santo Afonso-Maria de Ligório: Obras, t. 14).

terça-feira, 25 de maio de 2021

AS PENAS DO PURGATÓRIO

Não há língua que a possa expressar


Aquelas almas sofrem – no Purgatório – uma pena tão extrema que não há língua que a possa expressar, nem inteligência que possa compreender sequer a mínima parte dela, se Deus, por uma graça especial, não a mostrar. O mínimo desta pena, Deus, por esta graça especial, a mostrou à minha alma; porém, não posso expressá-la com minhas palavras. E esta visão que me mostrou o Senhor nunca mais se apagou da minha mente. (Santa Catarina de Génova: Tratado do Purgatório. Introdução, 3).

CEM É UM NÚMERO PERFEITO

«Cem vezes mais»


[Santa Catarina de Sena ouviu Deus dizer-lhe:] Quando Pedro Lhe disse: «Vê como nós deixámos tudo para Te seguir», a minha Verdade respondeu-lhe: «Todo aquele que tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras por minha causa e por causa do evangelho, receberá cem vezes mais, já neste mundo, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, juntamente com perseguições, e, no mundo futuro, a vida eterna.»

Como quem diz: Pedro, fizeste bem em deixar tudo, pois é a única maneira de alguém Me seguir; em troca, Eu dar-te-ei, já nesta vida, cem vezes mais.

E o que é, minha filha querida, este cem vezes mais, ao qual é ainda acrescentada a vida eterna? O que queria dizer a minha Verdade com isto? Estaria a falar de bens temporais? Nem por isso, embora Eu por vezes os multiplique em benefício daqueles que são generosos com as esmolas. Então falava de quê? Ouve bem: aquele que Me dá a sua vontade, dá-me «uma» coisa; e Eu, em troca dessa coisa única, dou-lhe «cem».

Porquê o número cem? Porque é o número perfeito, ao qual nada pode ser acrescentado, a não ser que se volte ao princípio na contagem. Também a caridade é a mais perfeita de todas as virtudes; é impossível alguém elevar-se a uma virtude mais perfeita, e só se pode aumentar a sua perfeição voltando ao princípio no conhecimento pessoal e dando início a uma nova centena de méritos; mas acaba-se sempre a contagem quando se chega ao número cem. É esse o cêntuplo que dou aos que Me entregaram o um da sua vontade própria, seja pela obediência comum, seja pela obediência particular.

E com este cêntuplo chegareis à vida eterna. (Santa Catarina de Sena: «Sobre a obediência», cap. VII, n.º 160)

segunda-feira, 24 de maio de 2021

A LUZ DO AMOR DE DEUS

Esta luz conduz-nos pela mão


Esta luz conduz-nos pela mão, fortifica-nos, ensina-nos, mostrando-se, mas fugindo assim que temos necessidade dela. Não é quando a queremos – o que pertence aos perfeitos – mas é assim que ficamos embaraçados e completamente esgotados que ela vem em nosso socorro. Ela aparece de longe e faz-me senti-la no meu coração. Grito até me sufocar de tanto que a quero prender, mas tudo é noite, e vazias estão as minhas pobres mãos. Esqueço tudo, sento-me e choro, desesperando de a ver ainda uma outra vez. Quando chorei muito e consenti em me deter, então, vindo misteriosamente, ela toma-me a cabeça, e eu derreto-me em lágrimas sem saber quem está a iluminar o meu espírito de uma luz muito doce. (S. Simeão o Novo Teólogo: Hino 18.)

O MATRIMÓNIO ESPIRITUAL

Manifestar a glória que há no Céu


O que se passa na união do matrimónio espiritual é muito diferente (das núpcias). Aparece o Senhor neste centro da alma sem visão imaginária, mas intelectual, ainda que mais delicada que as ditas, como apareceu aos Apóstolos, sem entrar pela porta, quando lhes disse: “Pax vobis”. É um segredo tão grande e uma mercê tão subida o que Deus ali comunica à alma num instante, e o grandíssimo deleite que a alma sente, que eu não sei a que o comparar: mas o Senhor quer-lhe manifestar, por aquele momento, a glória que há no Céu, por uma maneira mais subida que nenhuma outra visão e gosto espiritual. Não se pode dizer mais senão que – tanto quanto se pode entender – fica a alma, digo, o espírito desta alma, feito uma coisa com Deus; pois, como Ele é também espírito. (Santa Teresa de Avila: “Moradas”; 7as moradas; cap. 2)

JESUS ENSINA-ME EM SEGREDO

A ciência do amor


Não penseis que nado em consolações, oh não! meu consolo é não ter consolações na terra. Sem mostrar-se, sem se fazer ouvir, Jesus ensina-me em segredo, não é por meio dos livros, pois não entendo o que leio, às vezes, porém, uma palavra como esta que destaquei no final da oração (após ter ficado no silêncio e na aridez) vem consolar-me: “Eis o mestre que te dou, ensinar-te-á o que deves fazer. Quero levar-te a ler no livro da vida onde está a ciência do amor”. A ciência do Amor, oh sim! esta palavra soa doce ao ouvido da minha alma, só desejo essa ciência. Tendo dado por ela todas as minhas riquezas, cálculo, como a esposa dos cânticos sagrados, nada ter dado... Entendo tão bem que só o amor possa nos tornar agradáveis a Deus, que fiz dele o único objecto dos meus desejos. (Santa Teresinha do Menino Jesus: “História de uma alma”, Manuscrito B).

PARA AMAR É NECESSÁRIO DAR

«Retirou-se pesaroso, porque era muito rico»


Não nos arrogamos o direito de julgar os ricos. O que desejamos não é uma luta de classes, mas um encontro entre as classes, um encontro no qual o rico salva o pobre e o pobre salva o rico.

A pobreza é a nossa maneira humilde de admitirmos e aceitarmos o estado de pecado, de impotência e de extremo vazio em que nos encontramos diante de Deus; é a maneira de reconhecermos o nosso estado de miséria, mas que se exprime como esperança nele, como espera para tudo recebermos dele, que é o nosso Pai. A nossa pobreza deve ser uma autêntica pobreza evangélica – amável, terna, feliz, vivida de coração aberto, sempre pronta a dar um sinal de amor. A pobreza é amor antes de ser renúncia. Para amar, é necessário dar. Para dar, é necessário estar liberto de todas as formas de egoísmo. (Santa Teresa de Calcutá: «Não há amor maior»)

sábado, 22 de maio de 2021

A ALMA DE MARIA

Que em todos resida o espírito de Maria


Que em todos resida a alma de Maria que glorifica o Senhor; que em todos resida o espírito de Maria que exulta em Deus. Se, fisicamente, há uma só Mãe de Cristo, pela fé, Cristo é fruto de todos, porque todas as almas recebem o Verbo de Deus se permanecerem sem mancha, preservadas do mal e do pecado, guardando a castidade numa pureza inalterada. Assim, todas as almas que alcançam este estado exaltam o Senhor, como a alma de Maria exaltou o Senhor e o seu espírito se alegrou em Deus Salvador.

Com efeito, o Senhor é exaltado, como lestes noutra passagem: “Em uníssono exaltemos o Seu nome” (Sl 33, 4). Não que a palavra humana possa acrescentar seja o que for ao Senhor, mas porque Ele cresce em nós. Porque “Cristo é a imagem de Deus” (2 Cor 4, 4), de maneira que a alma que faz coisas justas e religiosas exalta esta imagem de Deus, à semelhança da qual foi criada. E, exaltando-a, participa de alguma maneira na sua grandeza, na qual é elevada, parecendo reproduzir em si esta imagem através das cores vivas das suas boas obras, e como que copiá-la pelas suas virtudes. (S. Ambrósio de Milão: Comentário a S. Lucas 2, 26-27)

SOBERANA DO CÉU E DA TERRA

Foi o teu Filho, ó Maria!


Foi o teu Filho, ó Maria! Foi Ele que, por ti, ressuscitou dos mortos ao terceiro dia e, na tua carne, subiu acima de todos os Céus, para restaurar todas as coisas. Tu estás, por isso, na posse da tua alegria, ó bem-aventurada, tu recebeste em herança o objecto do teu desejo e a coroa da tua cabeça. Ele trouxe-te a soberania do Céu pela glória, a realeza do mundo pela misericórdia, o domínio do inferno pelo poder. Com sentimentos diversos, todas as criaturas respondem, pois, à tua glória grande e inefável: os anjos pela honra, os homens pelo amor, os demónios pelo temor. Pois tu és venerável para o Céu, amável para o mundo, terrível para o inferno. (Santo Amadeu de Lausana: Homilia mariana III, SC 72)

DITOSA MARIA

Criada por Cristo antes de Cristo


Peço-vos que repareis no que diz o Senhor ao estender a mão para os seus discípulos: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.» Porventura não fez vontade do Pai a Virgem Maria, que acreditou pela fé e concebeu pela fé, que foi escolhida para que dela nascesse a salvação entre os homens e que foi criada por Cristo antes de Cristo ter sido criado nela? Maria cumpriu, e cumpriu perfeitamente, a vontade do Pai; e por isso Maria tem mais mérito por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido Mãe de Cristo; mais ditosa é Maria por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido Mãe de Cristo. Portanto, Maria era bem-aventurada porque, antes de dar à luz o Mestre, O trouxe no seio. (Santo Agostinho de Hipona: Sermão 25 sobre São Mateus; PL 46, 937)

Ó MARIA, ROGAI A JESUS POR MIM

 Vós não fostes senão caridade


Ah, meu Redentor, quão longe estou de me parecer convosco! Vós não fostes senão caridade para com os vossos perseguidores, e eu rancoroso e odiento para com o meu próximo! Vós rogastes com tanto amor pelos que Vos crucificaram, e eu só penso em tomar vingança de quem me desagradou! Perdoai-me, ó meu Jesus, não quero mais ser o que fui. Proponho firmemente imitar-Vos de hoje em diante, custe o que custar; proponho amar a quem me ofende e fazer-lhe bem. Dai-me a graça de Vos ser fiel. — Ó Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim; dai-me uma parte de vosso amor para com o próximo; a vossa protecção é a minha esperança. (IV 178). (Santo Afonso de Ligório: Meditações).

ORAÇÃO DE S. BERNARDO A MARIA

 

Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria


Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que alguém que recorreu à vossa protecção, implorou vossa assistência ou reclamou vosso socorro tenha sido por vós desamparado.

Animado com a mesma confiança, a vós, ó Virgem, entre todas singular, recorro como à mãe e de vós me valho e sob o peso dos meus pecados me prostro a vossos pés.

Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Filho de Deus Humanado, mas dignai-vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que vos rogo. Amém. (S. Bernardo de Claraval: Orações)

sexta-feira, 21 de maio de 2021

SANTA OUSADIA !

Ides dizer não à vossa Mãe?


O Senhor, para mostrar à sua serva os motivos muito poderosos a que tinha de resistir, manifestou-lhe um a um e com os seus menores detalhes as faltas daquele pecador... “Eu sei disso, Jesus, eu sei disso. Muitos são os seus defeitos, mas quanto maiores eu cometi e vós me perdoastes. Sim, confesso que não mereço que me ouçais. Mas vou apresentar-vos outra intercessora para o meu pecador. É a vossa Mãe que está a rezar por ele. Ides dizer não à vossa Mãe? Não podeis dizer-lhe que não. Agora podeis responder que perdoaste o meu pecador...” “Ele está salvo, está salvo, está salvo, Jesus, tu venceste. Triunfa, triunfa sempre e triunfa assim”. (Santa Gemma Galgani: “Escritos espirituais”).

SEMENTE DA GRAÇA

A graça de Deus não deve ser abafada


A graça de Deus é uma semente que não deve ser abafada, mas que também não deve ser excessivamente exposta. É necessário alimentá-la no coração e não a mostrar excessivamente aos olhos dos homens.

Há dois tipos de graças aparentemente pequenas, das quais pode depender a nossa perfeição e a nossa salvação. Uma é a luz que nos revela uma verdade: devemos acolhê-la cuidadosamente e cuidar de que não se extinga por nossa culpa; devemos utilizá-la como regra em todas as nossas acções, ver aonde nos leva, etc. Outra é o movimento que nos leva a fazer determinada acção virtuosa numa ou noutra ocasião; devemos ser fiéis a estes movimentos, porque tal fidelidade é, por vezes, o núcleo da nossa felicidade.

Se ouvirmos a voz de Deus quando nos inspira uma mortificação em determinadas circunstâncias, veremos grandes frutos de santidade em nós; pelo contrário, o desprezo desta pequena graça poderia ter consequências funestas, como acontece aos favoritos caídos em desgraça por serem complacentes em coisas pequenas. (São Cláudio de La Colombière: Diário espiritual).