Era necessário que Cristo sofresse
Ora, tendo
a Sagrada Escritura profetizado, desde o princípio, a morte de Cristo com os
sofrimentos que haviam de a preceder, predisse também o que sucedeu ao seu
corpo depois da morte; e preanunciou que Aquele a quem isto aconteceu é Deus
impassível e imortal. De outro modo, nunca Ele seria Deus, se nós, com os olhos
postos na verdade da Encarnação, dela não pudéssemos deduzir, com inteira
justiça, as razões de podermos confessar uma e outra coisa, ou seja, o seu
sofrimento e impassibilidade e, ao mesmo tempo, a causa pela qual, sendo o
Verbo de Deus, e, portanto, impassível, sujeitou-se à morte. É que doutra
maneira o homem não podia ser salvo. Só Ele o sabia e aquele a quem o quis
revelar: conhece, com efeito, tudo o que é do Pai, tal como o Espírito
perscruta as profundezas dos mistérios divinos.
Era necessário,
na verdade, que Cristo sofresse. A paixão não podia, de modo nenhum, evitar-se.
Ele mesmo o afirmou ao chamar insensatos e lentos de coração os que ignoravam
ser necessário que Cristo assim sofresse para entrar na sua glória. Com efeito,
desceu à terra para salvação do seu povo, deixando aquela glória que tinha
junto do Pai, antes da criação do mundo. Mas a salvação devia consumar-se por
meio da morte do Autor da nossa vida, como ensina São Paulo: Ele é o Autor da
vida, elevado à glória perfeita por meio dos sofrimentos.
Assim, vê-se como a glória do Unigénito, que por nossa causa tinha deixado por breve tempo, foi-lhe restituída, por meio da cruz, na carne que tinha assumido. É o que afirma São João no seu Evangelho ao indicar qual era aquela água de que falava o Salvador: “Se alguém acredita em Mim, do seu interior brotarão rios de água viva”. Referia-se ao Espírito Santo que haviam de receber todos os que acreditassem n’Ele. Ainda não tinha vindo o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado; e chama glória à morte na cruz. Por isso, quando o Senhor orava, antes de ser crucificado, pediu ao Pai que O glorificam com aquela glória que tinha junto d’Ele, antes da criação do mundo. (Dos Sermões de Santo Anastácio de Antioquia: Sermão 4, 1-2: PG 89, 1347-1349)
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