terça-feira, 8 de junho de 2021

APÓSTOLOS DOS ÚLTIMOS TEMPOS

Tinha nas mãos um grande livro


Estando uma vez em oração com muito recolhimento, suavidade e quietude, parecia-me estar rodeada de anjos e muito perto de Deus. Comecei a suplicar a Sua Majestade pela Igreja. Deu-se-me a entender o grande proveito que, nos últimos tempos, há-de fazer uma Ordem e a fortaleza com que seus filhos hão-de sustentar a Fé.

Estando uma vez rezando perto do Santíssimo Sacramento, apareceu-me um Santo cuja Ordem tem estado um tanto decaída: Tinha nas mãos um grande livro, abriu-o e disse-me que lesse umas letras, que eram grandes e muito legíveis e diziam assim: Nos tempos vindouros florescerá esta Ordem; haverá muitos mártires.

Outra vez, estando no Coro em Matinas, representaram-se-me e se puseram diante dos olhos seis ou sete religiosos que me parece seriam desta mesma Ordem; com espadas na mão. Penso que nisto se dá a entender que hão-de defender a Fé; porque, de outra vez, estando em oração, se me arrebatou o espírito e pareceu-me estar num grande campo onde muitos combatiam, e estes, os desta Ordem, pelejavam com grande fervor. Tinham os rostos formosos e abrasados e deitavam muitos por terra, vencidos, e a outros matavam. Parecia-me que esta batalha era contra os hereges.

A este glorioso Santo tenho visto algumas vezes, e tem-me dito algumas coisas, e agradecido a oração que faço pela sua Ordem e prometido de me encomendar ao Senhor. Não declaro as Ordens, para que não se agravem outras; se o Senhor for servido que se saiba, Ele o declarará. Mas cada Ordem, ou cada membro de per si, havia de procurar que, por seu meio fizesse o Senhor tão ditosa a sua Ordem que, em tão grande necessidade, como agora tem a Igreja, a servissem. Ditosas vidas que nisto se acabarem! (Santa Teresa de Avila: Livro da Vida; cap. 40:12-15)

Na imagem:
Santa Teresa de Avila, Doutora da Igreja.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

A ORAÇÃO DE JESUS

«Passou a noite a orar a Deus»


O Senhor reza, não com o fim de implorar favores para Si, mas com o fim de os obter para mim. Ainda que o Pai tenha posto todas as coisas à disposição do Filho, no entanto o Filho, para realizar plenamente a Sua condição de homem, visto que é o nosso advogado, acha por bem implorar o favor do Pai para nós. Não façais ouvidos insidiosos, figurando-vos que é por fraqueza que Cristo pede, para obter o que não pode realizar, Ele que é o autor de todo o poder. Como Mestre na obediência, Cristo forma-nos pelo Seu exemplo aos preceitos da virtude: «Temos junto do Pai um advogado, diz Ele» (1 Jo 2, 1). Se é advogado, deve intervir pelos meus pecados. Por conseguinte, não é por fraqueza mas sim por bondade, que Cristo implora. Quereis saber até que ponto Ele pode fazer tudo o que quer? Ele é ao mesmo tempo advogado e juiz: num reside um ofício de compaixão, no outro a insígnia do poder. «Passou a noite a orar a Deus». Cristo dá-vos um exemplo, traça-vos um modelo para imitardes.

O que é necessário fazer pela vossa salvação quando, por vós, Cristo passa a noite em oração? Que vos cabe fazer quando quereis empreender uma obra de piedade, se Cristo, no momento de enviar os Seus Apóstolos, orou e orou sozinho? Em parte nenhuma, se não estou em erro, encontramos que Ele tenha rezado com os Apóstolos. Por toda a parte, Cristo implora sozinho. É que o grande desígnio de Deus não pode ser tomado por desejos humanos, e ninguém pode entrar no pensamento íntimo de Cristo. Aliás, quereis saber como é bom para mim e não para Cristo, que Ele tenha orado? «Chamou os Seus discípulos e escolheu doze de entre eles» para os enviar, como semeadores da fé, a propagar por todo o mundo o auxílio e a salvação dos homens. (Santo Ambrósio de Milão: Comentário sobre S. Lucas 6).

Na imagem:
Santo Ambrósio de Milão, Padre e Doutor da Igreja

CRISTÃO NÃO SÓ DE NOME

“Aquele que me ama, ama o próximo”


Certo dia Santa Catarina de Sena disse ao Senhor: “Meu Deus, quereis que eu ame ao meu próximo; mas eu não posso amar senão a Vós.” Respondeu-lhe o nosso Salvador: “Minha filha, aquele que me ama, ama todas as coisas que eu amo.” — Com efeito, quem ama alguma pessoa, ama também os parentes, os servos, as imagens e até as vestes da pessoa amada, pela razão que esta ama tais coisas. E porque é que nós devemos amar ao próximo? Porque aqueles a quem amamos são objecto da benevolência de Deus.

Por isso escreve São João que é mentiroso o que diz que ama a Deus e odeia a seu irmão (1 Jo. 4, 20). Ao contrário, diz Jesus Cristo que aceitará como feita a si próprio a caridade de que usarmos para com o mais pequenino de seus irmãos, que tais são os nossos próximos (Mt. 25, 40). — Examina-te aqui, se tens até agora tido na devida estima o preceito tão importante da caridade, e toma a resolução de seres mais exacto para o futuro. Lembra-te que da observância deste preceito depende o seres cristão não só de nome, mas também de facto: — “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo. 13, 35). (Santo Afonso de Ligório: Meditações).

Na imagem:
Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja.

domingo, 6 de junho de 2021

OS ANJOS DO SENHOR

«Bendizei ao Senhor, todos os Seus anjos, sempre dóceis à Sua palavra» (Sl 103,20)


Muitas páginas da Sagrada Escritura atestam que os anjos existem... Mas é preciso saber que a palavra «anjo» designa a sua função: ser mensageiro. E chamam-se «arcanjos» os que anunciam os acontecimentos mais importantes. É assim que o arcanjo Gabriel é enviado à Virgem Maria; para esta função, para anunciar o maior de todos os acontecimentos, impunha-se enviar um anjo da mais elevada categoria...

Semelhantemente, quando se trata de estender um poder extraordinário, é Miguel que é o enviado. Com efeito, a sua acção como o seu nome, querem dizer: «Quem é como Deus?», fazem compreender aos homens que ninguém pode fazer o que pertence apenas a Deus realizar. O antigo inimigo, que desejou por orgulho fazer-se semelhante a Deus, dizia: «Subirei aos céus, estabelecerei o meu trono acima das estrelas de Deus, serei semelhante ao Altíssimo» (Is. 14,13). Mas o Apocalipse diz-nos que no fim dos tempos, assim que ele for abandonado à sua própria força, antes de ser eliminado pelo suplício final, deverá combater contra o arcanjo Miguel: «Travou-se uma batalha no céu: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o Dragão. E o Dragão também combatia juntamente com os seus anjos. Mas não prevaleceram; o Dragão e os seus anjos foram precipitados na terra» (Ap 12, 7-9).

À Virgem Maria, foi pois Gabriel, cujo nome significa «Força de Deus», que foi enviado; não vinha ele anunciar aquele que quisera manifestar-se num condição humilde, para triunfar do orgulho do demónio?  Era pois pela «Força de Deus» que devia ser anunciado aquele que vinha como «o Senhor forte e poderoso, o Senhor herói nas batalhas» (Sl 24,8). Quanto ao arcanjo Rafael, o seu nome significa «Deus cura». Com efeito, foi ele que libertou da escuridão os olhos de Tobias, tocando-os como um médico vindo do alto (Tb 12,14). Aquele que foi enviado para tratar o justo na sua enfermidade bem pode ser apelidado de «Deus cura». (S. Gregório Magno: Catequeses sobre o Evangelho, 34, 8-9).

Na imagem:
S. Gregório Magno, Papa e Doutor da Igreja.

JESUS SUBIU Á MONTANHA

Devemos ser pacíficos para ser chamados filhos de Deus

Quando nosso Senhor e Salvador percorria muitas cidades e regiões pregando e curando toda doença e enfermidade do povo, conforme a presente narração (do Evangelho), vendo as multidões junto dele, Jesus subiu à montanha (Mt 5, 1). Convém que o Deus altíssimo suba a um lugar mais alto, para dirigir palavras mais elevadas aos homens desejosos de atingir virtudes mais altas. E é bom que a Lei nova seja proclamada sobre a montanha, pois a Lei fora também dada a Moisés sobre uma montanha. A antiga contém dez mandamentos que ensinam a conduta na vida presente; a outra, oito Bem-aventuranças, que conduzem seus seguidores à vida eterna e à pátria celeste.

Bem-aventurados os mansos, porque receberão a terra em herança (Mt 5, 5). Os mansos devem, pois, ter um carácter cordato e um coração sincero; e o Senhor mostra, de modo evidente, que seu mérito não é pequeno, ao dizer: Porque receberão a terra em herança, esta terra acerca da qual está escrito: Tenho certeza que vou contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos (Sl 26 [27]. A herança daquela terra é a imortalidade do corpo e a glória da ressurreição. Pois a mansidão ignora o orgulho, ignora a soberba, ignora a ambição. Não é sem motivo que o Senhor, em outro lugar, exorta seus discípulos nestes termos: Sede meus discípulos, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós (Mt 11, 29).

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados (Mt 5, 4). Não os que choram a perda de seus entes queridos, mas os que deploram seus próprios pecados, que lavam com lágrimas suas faltas; ou ainda, os que lastimam as injustiças deste mundo, ou lamentam os pecados alheios.

Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (Mt 5, 9). Vê quão grande é o mérito dos promotores da paz: de agora em diante não são mais chamados servos, mas filhos de Deus. E é justo que assim seja, pois quem ama a paz, ama Cristo, autor da paz, a quem o Apóstolo Paulo chama de paz, dizendo: Ele é a nossa paz (Ef 2, 14). Ao contrário, quem não ama a paz segue a discórdia, porque ama o demónio, autor da discórdia. Foi ele que, desde o começo, instaurou a discórdia entre Deus e o homem, tornando o homem um transgressor dos mandamentos de Deus. Mas o Filho de Deus desceu do céu precisamente para condenar o demónio, autor da discórdia, e promover a paz entre Deus e o homem, reconciliando o homem com Deus e levando Deus a devolver ao homem a sua graça.

Eis porque devemos ser promotores da paz: para merecermos também ser chamados filhos de Deus. Porque sem a paz, não só perdemos nosso nome de filhos, mas até o de servos, no dizer do Apóstolo: Amai a paz, sem a qual nenhum de nós pode agradar a Deus (cf. Hb 12, 14). (São Cromácio de Aquiléia: Sermão 39).

Na imgem:
S. Cromácio de Aquileia.

ESTA VOZ, NÓS A OUVIMOS

Cristo escolheu os apóstolos entre os pecadores


O bem-aventurado apóstolo Pedro, quando estava no monte com o Senhor e outros dois discípulos de Cristo, Tiago e João, ouviu uma voz vinda do céu: Este é o meu filho amado, nele está meu pleno agrado: escutai-o! (Mt 17, 5). O apóstolo lembra-se disto em sua Carta e dá seu testemunho, dizendo: Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele na montanha santa. E depois acrescenta: Assim tornou-se ainda mais firme para nós a palavra da profecia (2Pd 1, 18-19).

Esse Pedro, que assim fala, era um pescador, mas agora merece grandes louvores como pregador, se é que ainda se pode nele reconhecer aquele que pescava. Por isso, o Apóstolo Paulo diz aos primeiros cristãos: De fato, irmãos, reparai em vós mesmos, os chamados: não há entre vós muitos sábios de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem muitos de família nobre. Mas o que para o mundo é loucura, Deus o escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus o escolheu para envergonhar o que é forte. Deus escolheu o que no mundo não tem nome nem prestígio, aquilo que é nada, para assim mostrar a nulidade dos que são alguma coisa (1Cor 1, 26-28).

Se, pois, Cristo tivesse escolhido primeiro um orador, diria este: “Fui escolhido por causa da minha eloquência”. Se tivesse escolhido um senador, diria este: “Fui escolhido por causa da minha dignidade”. Por fim, se tivesse escolhido um imperador, este diria: “Fui escolhido por causa do meu poder”. Calem-se esses, esperem e acalmem-se um pouco: não serão abandonados nem desprezados; mas sejam postos um pouco à parte os que podem gloriar-se de si mesmos.

Dá-me, disse ele, aquele pescador, dá-me aquele ignorante, dá-me aquele incapaz; dá-me aquele com quem o senador não se digna falar, mesmo quando compra um peixe: dá-me esse. Quando eu o tiver transformado, ficará claro que fui eu que agi. Também agirei no senador, no orador e no imperador; mas se trabalhei no senador, trabalharei com mais segurança no pescador. O senador poderá gloriar-se de si mesmo, como também o orador e o imperador; mas o pescador só pode gloriar-se de Cristo. Para ensinar a humildade que salva, venha primeiro o pescador; por meio dele o imperador será mais facilmente convencido.

Lembrai-vos, portanto, do pescador santo, justo, bom e repleto de Cristo, cuja missão de lançar a rede no mundo, abrangeu este povo entre os demais. Recordai-vos do que ele disse: Assim tornou-se ainda mais firme para nós a palavra da profecia (2Pd 1, 19). (Santo Agostinho de Hipona: Sermão 43, 5-7)

sábado, 5 de junho de 2021

AQUELES QUE CRÊEM

Pela graça divina, seguem os passos de Cristo


A marca distintiva das ovelhas de Cristo é sua disposição para a escuta e sua docilidade para a obediência, enquanto as outras se caracterizam pela desobediência.

O verbo escutar, nós o compreendemos no sentido de aquiescer ao que é dito. Na verdade, aqueles que escutam a Deus são por ele conhecidos, pois, ser conhecido significa estar unido. Não há ninguém que seja inteiramente ignorado por Deus. Com efeito, quando afirma: Conheço minhas ovelhas (Jo 10, 14), Cristo quer dizer: “Eu as acolherei e as unirei a mim misticamente e por uma união de amor”.

Podemos afirmar que, ao fazer-se homem, ele se uniu à humanidade toda por uma união de natureza e de consanguinidade. Assim procedeu, para que todos nos unamos e nos assemelhemos a Cristo por uma relação mística, em virtude de sua encarnação. Aqueles, porém, que não guardam a semelhança de sua santidade, lhe são estranhos.

Disse ainda: Minhas ovelhas me seguem (Jo 10, 27). De facto, aqueles que crêem, pela graça divina, seguem os passos de Cristo. Não obedecem mais aos preceitos da lei, que eram figuras, mas, seguindo pela graça divina os preceitos e a palavra de Cristo, elevam-se até sua dignidade, sendo, por conseguinte, chamados filhos de Deus (1Jo 3, 1). Quando Cristo sobe ao céu, eles também o acompanham.

O Senhor promete aos que o seguem, dar-lhes a recompensa e o prémio da vida eterna. Promete ainda preservá-los da morte e da corrupção, bem como dos castigos reclamados pelo juiz, contra os que cometeram transgressões. Cristo, pelo fato de dar sua vida, mostra que, por natureza, é a vida em pessoa; e que essa vida, ela a dá de si mesmo, sem recebê-la de outro.

Por vida eterna (Jo 10, 28), compreendemos não essa interminável sucessão dos dias que todos, bons ou maus, possuirão depois da ressurreição, mas a vida que passaremos na alegria. Podemos também compreender a vida no sentido de eucaristia. Por ela, Cristo enxerta em nós sua própria vida, fazendo com que os fiéis participem de sua carne. Pois ele disse: Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna (Jo 6, 54). (São Cirilo de Alexandria, bispo: Comentário sobre o Evangelho de São João).

Na imagem:
São Cirilo de Alexandria

O VOTO DE POBREZA

Não demorei em compreender o que era…


Desde minha tomada de hábito, eu recebera luz abundante a respeito da perfeição religiosa, principalmente do voto de pobreza. Durante meu postulado, gostava de possuir coisas boas para meu uso e de encontrar à mão tudo o que me era necessário. “Meu Director” tolerava isso com paciência, pois Ele não gosta de revelar tudo ao mesmo tempo às almas. Geralmente, dá sua luz pouco a pouco. No início da minha vida espiritual, pelos 13 ou 14 anos, perguntava a mim mesma o que eu aprenderia mais tarde, pois parecia-me impossível entender melhor a perfeição. Não demorei em compreender que mais se avança nesse caminho, mais se acredita estar afastado da meta; agora, resigno-me em ser sempre imperfeita e fico contente... . Volto às lições que “meu Director” me deu. Uma noite, depois das Completas, procurei em vão nossa lampadazinha sobre as tábuas reservadas para esse uso, era silêncio total, impossível perguntar... entendi que uma irmã, acreditando ter pegado sua lâmpada, pegou a nossa, da qual eu estava muito necessitada; em vez de desgostar-me, fiquei feliz, sentindo que a pobreza consiste em se ver privado não só das coisas agradáveis, mas ainda das indispensáveis. Portanto, no meio das trevas exteriores, fui iluminada interiormente... Naquela época, empolguei-me pelos mais feios e mais desajeitados objectos e foi com alegria que vi terem tirado a moringa bonitinha da nossa cela, substituindo-a por uma grande toda desbicada... Fazia também muitos esforços para não me desculpar, sobretudo com a nossa Mestra, a quem não queria ocultar coisa alguma; eis minha primeira vitória. Não é grande, mas custou-me muito. (Santa Teresinha do Minino Jesus: História de uma alma.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

ESTE É O DIA QUE O SENHOR FEZ

Aproximando sua mão, ele pôde completar sua fé

Acaso não era Tomé um homem? Um dos discípulos, um homem do povo, por assim dizer? Seus irmãos lhe contavam: Vimos o Senhor! (Jo 20, 25). E ele respondia: Se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei (Jo 20, 25).

Os evangelistas anunciam e não acreditas neles? O mundo acreditou e o discípulo não acredita. Foi dito a respeito deles: O som de suas vozes se espalha em toda a terra, e suas palavras chegam até os confins do mundo (Sl 18 [19], 5). Suas palavras se espalharam, chegaram até os confins da terra, o mundo acreditou; todos anunciam a um só e esse não crê.

Não era ainda o dia que o Senhor fez. As trevas ainda estavam sobre o abismo; nas profundezas do coração humano havia escuridão. Venha, pois, aquele que é a aurora desse dia e diga pacientemente, com doçura, sem encolerizar-se, pois é médico: “Vem, toca e acredita! Disseste: se não tocar, se não puser o meu dedo, não acreditarei!” Vem, toca, põe o teu dedo. Não sejas incrédulo, mas crê! (Jo 20, 27). Vem, põe o teu dedo. Eu conhecia tuas feridas, conservei, para ti, minhas cicatrizes”.

Então, aproximando a mão, ele tornou plena sua fé. Qual é, pois, a plenitude da fé? Que não se acredite ser Cristo apenas homem, nem unicamente Deus, mas homem e Deus. Essa é a plenitude da fé, pois, o Verbo se fez carne e veio morar no meio de nós (Jo 1, 14). Assim, o discípulo a quem foi dado tocar as cicatrizes e os membros de seu Salvador, tendo-os tocado, exclamou: Meu Senhor e meu Deus! (Jo 20, 28). Tocou o homem, conheceu a Deus; tocou a carne e contemplou o Verbo, porque o Verbo se fez carne e veio morar no meio de nós.

O Verbo suportou que sua carne fosse suspensa na cruz, o Verbo suportou que os cravos perfurassem sua carne, o Verbo suportou que sua carne fosse traspassada pela lança, o Verbo suportou que sua carne fosse depositada no sepulcro. O Verbo ressuscitou sua carne, apresentou-a ante os olhos dos discípulos, permitiu que fosse tocada por suas mãos. Eles tocam e exclamam: Meu Senhor e meu Deus! Este é o dia que o Senhor fez (Sl 117 [118], 24). (Santo Agostinho de Hipona: Sermões: 258, 3).

MEU CORAÇÃO GRITA E GEME DE DOR

Aprende a carregar Cristo

Não foi por prazer que o Senhor do mundo, em sua condição humana, apareceu publicamente montando em uma jumenta. O que ele desejava, por um misterioso segredo (ou mistério latente), era penetrar no âmago dos corações, selar o íntimo de nossa alma e, como místico cavaleiro, aí tomar assento, corporalmente. Assim, por sua divindade, poderia dirigir os passos da alma, refreando os impulsos da carne e, habituando os pagãos àquela amorosa direcção, disciplinar-lhes os sentimentos. Felizes os que, sobre o dorso da alma, acolheram tal cavaleiro! Realmente felizes os que, tendo os lábios contidos pelas rédeas do Verbo celeste, não se dissiparam na loquacidade.

E que rédea será essa, irmãos? Quem me ensinará como se pode reprimir ou soltar os lábios dos homens? Mostrou-me tal rédea aquele que disse: Que a palavra seja colocada em minha boca, de maneira que eu possa falar abertamente (cf. Ef 6, 19). A palavra é, pois, uma rédea, mas também um aguilhão. É difícil teimares contra o aguilhão! (At 26, 14). Foi o Senhor quem nos ensinou a abrir o coração, a suportar o aguilhão, a carregar o jugo. Que um outro nos ensine a suportar o freio da língua; pois mais rara é a virtude do silêncio que a da palavra. Sim, o que nos ensinou aquele que, como mudo, não abriu a boca contra a impostura e, pronto para as chicotadas, não recusou os golpes, a fim de tornar-se um suave assento para o Senhor?

Aprende, de um familiar de Deus, a carregar Cristo, pois ele, outrora, te carregou quando, como pastor, reconduzia a ovelha desgarrada; aprende a oferecer, de bom grado, o dorso de tua alma, aprende a ficar sob Cristo, para que possas ficar sobre o mundo. Não é qualquer um que transporta facilmente Cristo, mas quem é capaz de dizer: Meu coração grita e geme de dor, esmagado e humilhado demais (Sl 37 [38], 9).

Com efeito, se desejas não ser abalado, coloca teus passos pacificados sobre as vestes dos santos; na verdade, cuida para não caminhares com os pés enlameados; acautela-te para não te embrenhares pelos desvios, abandonando o caminho dos profetas. Pois, a fim de proporcionar um percurso mais seguro para as nações que haveriam de chegar, os que precederam Jesus cobriram, com as próprias vestes, o caminho até o templo de Deus. Para que avances sem tropeço, os discípulos do Senhor despojaram-se, pelo martírio, de suas vestes, para aplainar-te um caminho através da multidão hostil. (Santo Ambrósio de Milão: Comentário sobre o Evangelho de São Lucas: Livro 9, 9-11).

DEUS IMPASSÍVEL E IMORTAL

Era necessário que Cristo sofresse

Era necessário que Cristo sofresse, para assim entrar na Sua glória, tendo demonstrado, por palavras e obras, que era verdadeiro Deus e Senhor do universo, ao dirigir-Se para Jerusalém dizia aos seus discípulos: Subimos para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos gentios, aos pontífices e aos escribas, para ser escarnecido, flagelado e crucificado. Fazia, na verdade, essas afirmações em perfeita consonância com os vaticínios dos Profetas, que tinham anunciado, de antemão, a morte que Ele havia de sofrer em Jerusalém.

Ora, tendo a Sagrada Escritura profetizado, desde o princípio, a morte de Cristo com os sofrimentos que haviam de a preceder, predisse também o que sucedeu ao seu corpo depois da morte; e preanunciou que Aquele a quem isto aconteceu é Deus impassível e imortal. De outro modo, nunca Ele seria Deus, se nós, com os olhos postos na verdade da Encarnação, dela não pudéssemos deduzir, com inteira justiça, as razões de podermos confessar uma e outra coisa, ou seja, o seu sofrimento e impassibilidade e, ao mesmo tempo, a causa pela qual, sendo o Verbo de Deus, e, portanto, impassível, sujeitou-se à morte. É que doutra maneira o homem não podia ser salvo. Só Ele o sabia e aquele a quem o quis revelar: conhece, com efeito, tudo o que é do Pai, tal como o Espírito perscruta as profundezas dos mistérios divinos.

Era necessário, na verdade, que Cristo sofresse. A paixão não podia, de modo nenhum, evitar-se. Ele mesmo o afirmou ao chamar insensatos e lentos de coração os que ignoravam ser necessário que Cristo assim sofresse para entrar na sua glória. Com efeito, desceu à terra para salvação do seu povo, deixando aquela glória que tinha junto do Pai, antes da criação do mundo. Mas a salvação devia consumar-se por meio da morte do Autor da nossa vida, como ensina São Paulo: Ele é o Autor da vida, elevado à glória perfeita por meio dos sofrimentos.

Assim, vê-se como a glória do Unigénito, que por nossa causa tinha deixado por breve tempo, foi-lhe restituída, por meio da cruz, na carne que tinha assumido. É o que afirma São João no seu Evangelho ao indicar qual era aquela água de que falava o Salvador: “Se alguém acredita em Mim, do seu interior brotarão rios de água viva”. Referia-se ao Espírito Santo que haviam de receber todos os que acreditassem n’Ele. Ainda não tinha vindo o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado; e chama glória à morte na cruz. Por isso, quando o Senhor orava, antes de ser crucificado, pediu ao Pai que O glorificam com aquela glória que tinha junto d’Ele, antes da criação do mundo. (Dos Sermões de Santo Anastácio de Antioquia: Sermão 4, 1-2: PG 89, 1347-1349)

quinta-feira, 3 de junho de 2021

ELOGIO AOS SANTOS MÁRTIRES

 A todos eles vai nosso louvor, nosso elogio, nossa admiração!


A todos eles vai, ó venerável Ambrósio, nosso louvor, nosso elogio, nossa admiração! Quem seria tão estulto que, não podendo igualá-los, não deseje ao menos imitar estes homens, a quem nenhuma violência conseguiu desviá-los da fé dos Padres? Ameaças, lisonjas, esperança de vida, temor à morte, guardas, corte, imperador, autoridades, não serviram de nada: homens e demónios foram impotentes ante eles. Seu tenaz apegamento à Fé antiga os fez dignos, aos olhos do Senhor, de uma grande recompensa. Por meio deles, Ele quis levantar as Igrejas prostradas, voltar a infundir nova vida às comunidades cristãs esgotadas, restituir aos sacerdotes as coroas caídas. Com as lágrimas dos bispos que permaneceram fiéis, Deus tem limpado, como com uma fonte celestial, não as fórmulas materiais, mas a mancha moral da impiedade nova. Por meio deles, enfim, tem reconduzido ao mundo inteiro– todavia sacudido pela violenta e repentina tempestade da heresia – da nova perfídia à Fé antiga, da recente insana à primitiva saúde, da cegueira nova à luz de antes. Mas o que devemos destacar principalmente neste valor quase divino dos confessores é que defenderam a fé antiga da Igreja e não a crença de parte alguma dela. Nunca teria sido possível que tão grandes homens se desdobrassem em um esforço sobre-humano para sustentar as conjecturas erróneas e contraditórias de um ou dois indivíduos, ou que se dedicassem a fundo em favor da irreflexiva opinião de uma pequena província. Nos decretos e nas definições de todos os bispos da Santa Igreja, herdeiros da Verdade, é no que têm crido, preferindo se expor à morte a trair a antiga fé universal. Assim mereceram alcançar uma glória tão grande, que foram considerados não só confessores, mas, com todo direito, príncipes dos confessores. (S. Vicente de Lerins: Comonitório)


Na imagem:

S. VICENTE DE LERINS
Monge, Recluso na ilha de Lerins
(† antes de 450)

«ELE NÃO É DEUS DE MORTOS, MAS DE VIVOS»

«Foi para isto que Cristo morreu e voltou à vida»


«Foi para isto que Cristo morreu e voltou à vida: para ser Senhor tanto dos mortos como dos vivos» (Rom 14,9); «Ele não é Deus de mortos, mas de vivos». Dado que o Senhor dos mortos está vivo, os mortos já não estão mortos, mas vivos: a vida reina neles, para que vivam e deixem de temer a morte, do mesmo modo que «Cristo ressuscitado dos mortos já não morre» (Rom 6,9). Ressuscitados e libertados da corrupção, já não verão a morte; participarão da ressurreição de Cristo, tal como Ele teve parte na sua morte. Com efeito, se Ele veio à Terra, que até então era uma prisão eterna, foi para «quebrar as portas de bronze e despedaçar os ferrolhos de ferro» (Is 45,2), para retirar a nossa vida da corrupção atraindo-a a Si, e nos dar a liberdade em substituição da escravidão.

O facto de este plano de salvação ainda não estar realizado — porque os homens continuam a morrer e os seus corpos são desagregados pela morte — não deve ser motivo de incredulidade. Já recebemos as primícias daquilo que nos foi prometido, na pessoa daquele que é o nosso Primogénito. (Santo Anastásio de Antioquia: Homilia 5, sobre a Ressurreição; PG 89, 1358)

Na imagem:
Santo Anastásio de Antioquia.