Enquanto o homem saboreia o pecado…
Ajudai-me a
penetrar nesse mistério de amor e sofrimento do meu Deus, que, feito homem
sofre, agoniza, morre por mim.
Ó Eterno, ó
Imortal, descei até nós para sofrer um martírio inaudito, a morte infame sobre
a cruz no meio dos insultos, de impropérios e ignomínias, a fim de salvar a
criatura que o ultrajou e continua a atolar-se na lama do pecado.
O homem saboreia o
pecado e, por causa do pecado, Deus está mortalmente triste; os tormentos duma
agonia cruel fazem-no suar sangue!...
Não, não posso
penetrar neste oceano de amor e de dor sem a ajuda da vossa graça, ó meu Deus.
Abri-me o acesso à mais íntima profundidade do coração de Jesus, para que eu
possa participar da amargura que o conduziu ao Jardim das Oliveiras, até às
portas da morte — para que me seja dado consolá-lo no seu extremo abandono. Ah!
Pudesse eu unir-me a Cristo, abandonado pelo Pai e por Si próprio, a fim de
expirar com Ele!
Maria, Mãe das
Dores, permiti que eu siga Jesus e participe intimamente da sua Paixão e do seu
sofrimento!
Meu Anjo da guarda
velai para que as minhas faculdades se concentrem todas na agonia de Jesus e
nunca mais se desprendam... No termo da sua vida terrestre, depois de se nos
ter inteiramente entregue no Sacramento do seu amor, o Senhor dirige-se ao
Jardim das Oliveiras, conhecido dos discípulos, mas de Judas também. Pelo
caminho ensina-os e prepara-os para a sua Paixão iminente convida-os, por Seu
amor, a sofrer calúnias, perseguições até à morte, para os transfigurar à
semelhança dele, modelo divino. No momento de começar a sua Paixão amaríssima,
não é nele que pensa; pensa em ti.
Que abismos de
amor não contém o seu Coração! A sua Santa Face é toda tristeza, toda ternura.
As suas palavras jorram da profundidade mais íntima do seu coração, e são todas
palpitações de amor.
— Ó Jesus, o meu
coração perturba-se quando penso no amor que vos obriga a correr ao encontro da
vossa Paixão. Ensinastes-nos que não há amor maior que dar a vida por aqueles a
quem se ama. Eis que estais prestes a selar estas palavras com o vosso exemplo.
No Jardim da Oliveiras, o Mestre afasta-se dos discípulos e só leva três
testemunhas da sua Agonia: Pedro, Tiago e João. Eles, que o viram transfigurado
sobre o Tabor, terão força para reconhecer o Homem-Deus neste ser, esmagado
pela angústia da morte?
Ao entrar no
Jardim disse-lhes: “Ficai aqui! Velai e rezai para não cairdes em tentação.
Acautelai-vos, porque o inimigo não dorme. Armai-vos antecipadamente com as
armas da oração para não serdes surpreendidos e arrastados para o pecado. É a
hora das trevas”. Tendo-os exortado, afastou-se à distância de uma pedrada e
prostrou-se com a face em terra. A sua alma está mergulhada num mar de amargura
e extrema aflição.
É tarde.
Na lividez da
noite agitam-se sombras sinistras. A Lua parece injectada de sangue. O vento
agita as árvores e penetra até aos ossos. Toda a natureza como que estremece de
secreto pavor!
Ó noite, como
nunca houve outra semelhante.
Eis o lugar onde
Jesus vem orar. Ele despoja a sua santa Humanidade da força à qual tem direito
pela sua união com a Divina Pessoa, e mergulha-a num abismo de tristeza, de
angústia, de abjecção. O seu espírito parece submergir-se... Via
antecipadamente toda a sua Paixão.
Vê Judas, seu
apóstolo tão amado, que o vende por alguns dinheiros.
Ei-lo a caminho de
Getsémani, para o trair e entregar! Todavia, ainda há pouco não o alimentou com
a sua carne, não lhe deu a beber o seu sangue? Prostrado diante dele, lavou-lhe
os pés, apertou-os contra o coração, beijou-os com os seus lábios. Que não fez
ele para o reter à beira do sacrilégio, ou pelo menos para o levar a
arrepender-se!
Não!
Ei-lo que corre
para a perdição... Jesus chora. Vê-se arrastado pelas ruas de Jerusalém onde
ainda há alguns dias o aclamavam como Messias. Vê-se esbofeteado diante do
sumo-sacerdote. Ouve os gritos: À morte! Ele, o autor da vida, é arrastado como
um farrapo de um para outro tribunal. O povo, o seu povo tão amado, tão
cumulado de bênçãos, vocifera contra Ele, insulta-o, reclama aos gritos a sua
morte, e que morte, a morte sobre a cruz. Ouve as suas falsa acusações. Vê-se
flagelado, coroado de espinhos, escarnecido, apupado como falso rei. Vê-se
condenado à cruz, subindo ao Calvário, sucumbindo ao peso do madeiro, trémulo,
exausto...
Ei-lo chegado ao
Calvário, despojado das roupas, estendido sobre a cruz, impiedosamente
trespassado pelos pregos, ofegante entre indizíveis torturas... Meu Deus! Que
longa agonia de três horas, até sucumbir no meio dos apupos da gentalha, ébria
de cólera! (S. Pio de Pietrelcina: A agonia de Jesus)
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