O que é isto?
Existe, pois, uma só devoção
verdadeira e existem muitas que são vãs e falsas. É mister que saibas discernir
uma das outras, para que não te deixes enganar e não te dês a exercícios de uma
devoção tola e supersticiosa.
Um pintor por nome Aurélio, ao
debuxar seus painéis, costumava desenhar neles aquelas mulheres a quem
consagrava estima e apreço. É este um emblema de como cada um se afigura e
traça a devoção, empregando as cores que lhe sugerem as suas paixões e inclinações.
Quem é dado ao jejum tem-se na conta de um homem devoto, quando é assíduo em
jejuar, embora fomente em seu coração um ódio oculto; e, ao passo que não ousa
umedecer a língua com umas gotas de vinho ou mesmo com um pouco de água,
receoso de não observar a virtude da temperança, não se faz escrúpulos de
sorver em largos haustos tudo o que lhe insinuam a murmuração e a calúnia,
insaciável do sangue do próximo. Uma mulher que recita diariamente um acervo de
orações se considerará devota, por causa destes exercícios, ainda que, fora
deles, tanto em casa como alhures, desmande a língua em palavras coléricas,
arrogantes e injuriosas. Este alarga os cordões da bolsa pela sua consideração
com os pobres, mas cerra o coração ao amor ao próximo, a quem não quer perdoar.
Aquele perdoa ao inimigo, mas satisfazer as dívidas é o que não faz sem ser
obrigado à força. Todas estas pessoas tem-se por muito devotas e são talvez,
tidas no mundo por tais, conquanto realmente de modo algum o sejam. (S.
Francisco de Sales: “Introdução à vida devota”: cap.1)
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