Por que a Manjedoura?
Há uma coisa que quero acrescentar: foi um fardo pesado ter Deus ordenado à
Virgem prestes a dar à luz que saísse de casa e percorresse trinta e três
léguas. Se as venceu a pé ou não, não o sabemos, mas com certeza foi muito
trabalhoso. Vão a Belém e não encontram pousada: outra dificuldade. Instalam-se
naquele estábulo: outra incomodidade. Que os anjos louvem Nossa Senhora.
A Virgem percebe que se aproxima o momento do parto. À meia noite – não
entre dores, porque não as teve –, experimenta uma grande alegria, tanto maior
quanto mais se aproxima o momento do parto. E porque não havia na estalagem um
lugar adequado, dirige-se à gruta para dar à luz o Senhor dos céus e da terra.
Ergue os olhos ao céu. Quando toma consciência, vê diante dela o Menino, que
chora.
Quem nos dera contemplar a Virgem ajoelhada diante d’Ele! Como sabia que
era Deus, não ousava, por reverência, tomá-lo nos braços; mas, como era seu
filho, queria por outro lado estreitá-lo contra si com amor. Adora-o como
verdadeiro Deus e depois toma-o em seus braços. Toma-o nos braços e dá-lhe de
mamar do seu leite virginal. Quereis ver de todas as coisas lindas a mais
linda? Vede uma donzela no presépio de Belém com um Donzel nos braços,
dando-lhe de mamar.
Estais contente, Igreja, por terdes agora Aquele que tanto desejáveis e de
quem dizíeis:
– “Quem me dera ver-Te, meu irmão, nos braços
de minha mãe, mamando do seu seio!” (Ct 8, 1); quem me dera receber esta graça de
ver-Te nos braços da tua Mãe! Quem me dera ver-Te nos braços de uma donzela, “sem que ninguém
me censurasse” (Ct 8, 1). A partir de hoje, Deus Pai não me censurará,
porque me deu o seu Filho; nem Deus Filho me censurará, porque se dá a mim como
irmão; nem Deus Espírito Santo, pois foi Ele quem realizou tudo isso.
Bem-aventurados os homens, por cujo bem nos foi dada tanta honra e tanto bem!
Eis, pois, o Menino recém-nascido!
Por que a Manjedoura?
“E o reclinou numa manjedoura” (Lc 2, 7)
Por que numa manjedoura? Precisamos da luz de Deus para compreendê-lo.
Minha Mãe, mais terna que todas as mães, por que tiraste o Menino dos teus
braços e o colocaste na manjedoura? Não vês que aí não há almofadas? Senhora,
não estava mais quente e mais conchegado nos teus braços do que na dura
manjedoura? Então por que o colocaste aí?
“Porque não havia lugar para eles na estalagem” (Lc 2, 7)
Que condenação das minhas riquezas, dos meus prazeres e dos meus desvarios!
Senhor, Vós que dais morada aos homens e ninhos às aves, Vós que a todos
recebeis, não tendes um lugar para Vós mesmo? Se não havia lugar na hospedaria,
não haveria lugar no teu regaço, Senhora? Tu vales mais que os palácios, que os
homens e os anjos; mais contente está Ele nos teus braços do que em palácios ou
mesmo nos céus. Não havia lugar no teu colo? Diz-nos, pelo amor que tens ao teu
Filho, por que o tiraste do teu regaço e o colocaste na manjedoura.
Grave-se isto nos vossos corações: tudo o que a Virgem Maria fez com o seu Filho foi
por graça e iluminação do Espírito Santo. Assim como o concebeu
pelo Espírito Santo, assim também aprendeu d’Ele a cuidar do seu Filho. Essa
mesma graça nos é necessário, tanto para que Cristo entre nas nossas almas como
para que possamos conservá-lo e não o percamos. Mas continuamos a perguntar:
Senhora, por que o tiraste dos teus braços e o colocaste na manjedoura? (S.
João de Avila: Sermões)
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