sábado, 8 de maio de 2021

DORMIÇÃO MARIA

Começa hoje para Maria uma segunda existência


Começa hoje para Maria uma segunda existência, recebida daquele que a fez nascer para a primeira, como também ela mesma dera uma segunda existência – a vida corpórea – àquele, cuja primeira existência, a eterna, não teve começo no tempo, embora principiada no Pai como em sua divina causa.

Alegra-te, Sião, montanha divina e santa, onde habitou a outra montanha divina, a montanha vivente, a nova Betel, ungida na pedra, a natureza humana ungida pela divindade. De ti, como de um jardim de oliveiras, e Filho se elevou às celestes alturas. Que uma nuvem se componha, universal e cósmica, e que as asas dos ventos tragam os apóstolos dos confins da terra até Sião![1] Quem são aqueles que, como nuvens e águias, voam para o corpo – fonte de toda ressurreição, a fim de cultuar a Mãe de Deus? Quem é a que sobe, na flor de sua alvura, toda bela, brilhante como o sol? Que cantem as cítaras do Espírito, isto é, as línguas dos apóstolos! Que ressoem os címbalos, isto é, os arautos eminentes da palavra de Deus! Que esse vaso de eleição, Hieroteu[2], santificado pelo Espírito Santo e pela união divina capacitado a sofrer as realidades divinas, seja arrebatado do corpo, e em transportes de fervor entoe seus hinos! Que todas as nações aplaudam e celebrem a Mãe de Deus! Que os anjos prestem culto ao corpo mortal!

Filhas de Jerusalém, feitas cortejo da Rainha, e virgens suas companheiras, ide com ela até o Esposo, levai-a à direita do Senhor! Desce, ó Soberano, vem pagar à tua Mãe a dívida que ela merece por te haver nutrido! Abre tuas mãos divinas e acolhe a alma de tua mãe, tu que sobre a cruz entregaste o espírito às mãos do Pai! Dirige-lhe um suave apelo: vem, ó formosa, ó bem-amada, mais resplandecente pela virgindade do que o sol, tu me partilhaste teus bens, vem agora gozar junto de mim o que te pertence!

Aproxima-te, ó Mãe, de teu Filho, aproxima-te e participa do poder régio daquele que, nascido de ti, contigo viveu na pobreza! Ascende, ó Soberana, ascende! Já não vale a ordem dada a Moisés: “Sobe e morre...” (Dn 31, 48) Morre, sim, mas eleva-te pela própria morte!

Entrega tua alma às mãos de teu Filho e devolve à terra o que é da terra, pois mesmo isso será carregado por ti.

Erguei vossos olhos, Povo de Deus, alçai vosso olhar! Eis em Sião a arca do Senhor Deus dos exércitos, à qual vieram pessoalmente prestar assistência os apóstolos, tributando seu derradeiro culto ao corpo que foi princípio de vida e receptáculo de Deus. Imaterialmente e invisivelmente os anjos o cercam com respeito, como servidores da Mãe de seu Senhor. O próprio Senhor lá está, omnipresente, ele que tudo enche e abraça, que na verdade não está em lugar algum porque nele tudo está como na causa que tudo criou e tudo encerra. (São João Damasceno: Homilia sobre a Dormição de Maria)

Imagem: S. João Damasceno.

[1] O autor passa a aludir aqui a certa tradição, segundo a qual Nossa Senhora, ao morrer em Jerusalém, teve à sua volta os apóstolos.

[2] O autor pensa em Hieroteu, apresentado como mestre de Dionísio em seu livro "Os Nomes Divinos".

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