Cravada na cruz convosco
Sinto o meu coração retalhado pela dor. Terei ainda mais golpes para
ferir-me? Faça-se a vossa vontade. Cravada na cruz convosco, escorrendo sangue
e na maior agonia, vejo-me e sinto-me de todos abandonada. Não posso viver no
mundo, tenho medo. Jesus vinde depressa, vinde, levai-me para o Céu. Os homens
tentam desviar de mim, arrancaram-me para sempre aquilo que me servia de
alívio, que podia dar-me conforto. Tiraram-me o meu pai espiritual, proíbem-no
de me escrever a mim e de eu lhe escrever a ele. Permiti-me Vós, ao menos, meu Amado,
desabafar convosco. Estou sozinha no meio da tempestade e ela não serena.
Abro-vos o meu pobre coração, só vós sabeis ler o que nele está escrito com dor
e sangue, só vós compreendeis e podeis avaliar o meu sofrer. O mundo
desconhece-o, os homens nada compreendem. Deixai-me dizer a Vós o que Vós
dissestes ao vosso Eterno Pai: Perdoai-lhes, meu Jesus, porque eles não sabem o
que fazem, estão ceguinhos, falta-lhes a vossa luz divina: iluminai-os a todos
e a todos dai o vosso amor. O Jesus, todos os meus pressentimentos
me tem saído certos. Poderão eles ainda proibirem que vos receba
sacramentalmente?
Ai de mim, seria como o golpe que me tiraria a vida se vós com o vosso
divino poder me não conservásseis. Digam o que disserem, façam eles o que
fizerem, o que nunca conseguirão é tirar-me desta união íntima com vós.
Roubarem-me Jesus Sacramentado, sim, não duvido que o façam; tirarem-me do meu
coração o tesouro riquíssimo que eu adoro, que eu amo acima de todas as coisas,
o Pai, o Filho, o Espírito Santo, nunca, nunca os homens o conseguirão: teriam
para isso fazer-me viver sem coração e sem alma. Impossível! Venha a força do
mundo inteiro, seja ela toda contra mim: separar-me desta grandeza infinita,
deste amor infindo, nunca, só o pecado, só esse me pode separar. Mas eu confio
plenamente em vós, é de vós, meu Jesus, que eu tudo espero, embora que o sentir
da minha alma me chegue quase a persuadir que me engano a mim mesma. Sinto que
não vos amo, sinto que nada de vós posso esperar por tão grande ser a minha
miséria. Que confusão a minha! Que grande é o meu desfalecimento! Levantai-me,
meu Jesus, ajudai-me, assim pregada na cruz, a subir todo o caminho doloroso do
calvário. Em cada degrau que passo quero deixar escrito com o sangue que das
minhas feridas corre: Jesus, Jesus, não vejo o Céu, retirou-se de mim todo
aquele azul do firmamento, perdi, roubaram-me tudo o que era vida. Só sinto
dor, só sinto e vejo a morte. Não tenho a quem recorrer: só por vós e pela
Mãezinha posso chamar. Pobre de mim! Quantas vezes com a minha dor não me
atrevo a olhar-vos! Ouvi-me sempre, mesmo que eu não vos chame; dizei à Mãezinha
que me ampare, dai-me toda a força do Céu. Todos os ruídos que oiço recordo o
meu Paizinho espiritual. Será ele que vem? Que vida de ilusão. Cada pensamento
que me vem à ideia deste tão duro penar são setas que se espetam no meu
coração, são açoites que me despedaçam o corpo e a alma. Que mal fiz eu, que
crime pratiquei? Ó meu Jesus, se não fosse por vosso amor, se não fosse o
desejo ardentíssimo de vos dar as almas, recusava-me a tudo. Queria amar-vos
muito, nunca ofender-vos para ganhar o Céu, mas não queria a crucifixão, não
queria ouvir na terra a vossa doce e meiga voz, não queria ver a vossa Divina
Imagem nem dolorosa nem gloriosa; tinha uma eternidade inteira para
contemplar-vos e para ouvir-vos falar. Perdoai-me os meus desabafos, Jesus, bem
vedes que só convosco posso desabafar. Já que me escolhestes para a dor, ja que
me destinastes para tão grandes martírios, eis a tua vítima, eis a tua escrava,
Jesus; fazei de mim o que quiserdes, a tua bênção, meu Amado. Diz à Mãezinha
que me abençoe e proteja. Sou tua mais indigna filhinha, a pobre Alexandrina.(B.
Alexandrina Maria da Costa: Sentimentos da alma de 19-02-1942)
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